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    O enigma (por André Gustavo Stumpf)

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    O espetáculo midiático foi bonito, cada um dos ministros do Supremo Tribunal Federal teve seu momento de grande exposição, mas a festa acabou. Surgiu um novo tempo, o ex-presidente e seus principais auxiliares serão presos, e a perspectiva de a eleição de 2026 se transformar numa guerra de posições parecida com o que ocorre atualmente nos Estados Unidos, onde os divergentes se resolvem na base do tiro e da pancada. Todo mundo mata todo mundo.

    O mundo está passando por um de seus períodos de loucura. A Rússia bombardeou a Polônia que chamou os colegas da OTAN a enfrentar o inimigo comum, o Exército de Moscou. A Europa está convulsionada. Israel bombardeou o Qatar para matar chefes do grupo Hamas. Nenhuma atenção foi dada ao fato de que as bombas caíram em país que não está em guerra com o país dos judeus. E Telavive também já não dissimula que não pretende abrir espaço para um futuro país palestino. O mundo piorou nos últimos tempos, por consequência da atuação de líderes despreparados para exercer suas responsabilidades. O resultado desta situação é a guerra, ou a política exercida por outros meios, seja chantagem econômico-financeira ou ameaça de conflito bélico.

    Este clima de confronto pesado chegou ao Brasil por intermédio de Jair Bolsonaro e seus auxiliares, civis e militares. Eles provocaram a população até um nível altíssimo com a reiterada convocação de militantes para invadir as sedes dos poderes, a difusão da mensagem de que não haveria posse do presidente eleito, ou ao incentivo ao pessoal que participou da Festa da Selma. Todo o esforço teve como objetivo criar um clima de confusão administrativa e política dentro do país, que justificaria a adoção de medidas de Garantia da Lei e da Ordem, posteriormente. Ou seja, o golpe de estado estava armado e preparado. Não se transformou em realidade por que os comandantes do Exército e da Aeronáutica não aceitaram participar da quartelada.

    O Conselheiro Acácio, personagem inesquecível de Eça de Queiroz, só se manifestava para dizer o óbvio. Os bolsonaristas não vão desaparecer de um dia para o outro. Eles estarão presentes nas eleições de 2026, que terá como sujeito oculto o governo do presidente Trump. Os norte-americanos são capazes de articular golpes de estado em qualquer lugar do mundo. A atuação do ministro Luiz Fux, que divergiu da maioria, foi melhor do que a encomenda, segundo relatos transcritos pela imprensa brasileira de comentários feitos em Washington. Ninguém esperava que ele fosse tão enfático na defesa de Bolsonaro e seus asseclas. Ele, com seu voto, forneceu um precioso argumento para os advogados da defesa que poderão buscar uma fórmula para reduzir as penas com base no voto divergente. O processo deverá tramitar ainda por longo período. Nada vai se solucionar, no curto prazo, mesmo porque os parlamentares deverão buscar uma solução dentro do Congresso. A festa midiática serviu para fazer com que o Brasil acredite na força de sua democracia. Mas Lula continua candidato a reeleição e a direita ainda não encontrou o substituto de Bolsonaro. Os próximos tempos deverão desvendar este enigma.

    Mas doravante, qualquer um, civil ou militar, que venha a ser convidado para participar de alguma trama golpista vai pensar duas vezes. O risco de pegar uma cana dura é muito elevado. Ou a organização tem meios e modos de se impor com tiros e bombas, ou não vale a pena correr o risco. E o efeito colateral desta situação é curioso. Os políticos estão descobrindo que o melhor caminho para buscar a hegemonia na convivência entre parlamentares é promover a vitalização dos partidos políticos. Partidos fortes significam representação forte e, nesta perspectiva, a tentação do golpe fica diluída.

     

    André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)