Diz-se de Bolsonaro que ele passará à História do Brasil pós-ditadura de 64 como o político que mais atirou no próprio pé e no dos amigos golpistas. Ou seja: o que mais produziu provas contra si mesmo e acabou condenado e preso. Um suicida.
E de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, o que se dirá mais adiante? Talvez seja cedo para se dizer o quê. Graças ao faro apurado de Bolsonaro, Tarcísio, que nunca disputou uma eleição sequer para síndico de prédio, elegeu-se governador.
Embora afirme que será candidato à reeleição, ele acorda e vai dormir todos os dias pensando em disputar com Lula a Presidência da República em 2026. Só o fará, é claro, com o apoio de Bolsonaro. E é aí que mora o perigo do qual ele não se dá conta.
É por extrema lealdade a Bolsonaro que Tarcísio se comporta assim? Ou é por amadorismo? Ou é por burrice? Ex-capitão do Exército, ele aprendeu nas academias militares que não se abandona um companheiro ferido ou morto em batalha.
Na política, a lição é outra. Traição nem sempre é amaldiçoada, salvo se de fato ela se virar contra o traidor a ponto de prejudicá-lo. E o político esperto pode segurar a alça do caixão de um morto, mas só até a porta do cemitério. Dali não passa.
Bolsonaro sabe que sua longa carreira política, pontuada de vitórias, chegou ao fim. Sabe também que nem uma anistia ou indulto o livrará de um final vergonhoso. A Justiça tem meios e modos de manter suas decisões, e os usará se necessário.
De sua parte, Tarcísio parece ignorar que a rejeição dos brasileiros a Bolsonaro é muito alta. Ao Datafolha, em sua mais recente pesquisa, 61% dos entrevistados disseram que não votariam em um candidato que prometesse perdoar Bolsonaro por seus crimes.
Pois foi o que Tarcísio garantiu que faria ao ser entrevistado na última sexta-feira (29) pelo jornal Diário do Grande ABC. E não parou por aí: ele não acredita na consistência dos “elementos” reunidos no processo que condenará Bolsonaro. E acrescentou:
“Infelizmente, hoje, eu não posso falar que confio na Justiça, por tudo que a gente tem visto.”
Apesar de criticado por Eduardo Bolsonaro, o embaixador do tarifaço de Donald Trump e das sanções aplicadas a ministros do Supremo Tribunal Federal, Tarcísio, em modo bom moço, saiu despreocupado em defesa dele:
“Eu não vou comentar (as críticas). É muito difícil. Você pensa que tem uma pessoa que está fazendo de tudo pelo pai, que está tomado pela emoção. Gosto do Eduardo, tenho muito apreço pelo pai dele. Torço para que ele seja bem-sucedido”.
De uma vez só, Tarcísio cometeu três erros: deu Bolsonaro como condenado antes do julgamento começar; atacou a Justiça “por tudo” que se vê; e associou-se a Eduardo no esforço de absolver o pai sem dizer uma palavra contra o tarifaço. Vestiu de novo o boné.
A cara de Bolsonaro espelha o focinho de Tarcísio. Bolsonaro desacredita a Justiça desde que se elegeu presidente em 2018. Fez dela seu principal alvo nos quatro anos de governo. Tarcísio, calouro, desacredita a Justiça antes mesmo de se tornar candidato.
O mais curioso é que candidatos eleitos com o apoio de Bolsonaro, como é o caso de Tarcísio, não põem em dúvida a legitimidade de suas vitórias em 2022, só a de Lula. As urnas foram as mesmas. E a direita, hoje, controla o Congresso.