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Ouça áudio de plano de “foto fake” em fraude em cestas básicas no TO

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Ouça áudio de plano de “foto fake” em fraude em cestas básicas no TO

Mensagens trocadas entre alvos da Polícia Federal (PF) em uma investigação que mira suposto desvio de contratos do governo do Tocantins mostram os bastidores de uma “foto fake” usada para driblar a fiscalização da compra de cestas básicas e a criação de uma lista fraudulenta com nomes de supostos beneficiários das cestas.

Áudio encontrado no celular de um dos investigados mostra que em 2022 integrantes do suposto esquema pegaram cestas básicas “emprestadas” com uma empresa para ludibriar a fiscalização. Ouça:

A conversa se dá entre Paulo César Lustosa, conhecido como PC Lustosa, que estava conversando com seu irmão, outro dos alvo da PF na operação Fames-19, Wilton Rosa Pires. Ambos têm o seguinte diálogo:

WILTON: Então, cê já tá indo pra lá, fala pra mim que eu vou pra lá então (…) que eu tô com o carro aqui cheio de cesta eu tô doido pra botar essa cesta lá e esperar amanhã fazer a visita lá na Setas né, fiscalização, e depois colocar novamente a cesta no carro e entregar lá pro Rosalino, que ela é emprestada né, ele me emprestou só (…)

PC LUSTOSA: agorinha

PC LUSTOSA: passar no chaveiro

WILTON: Chegando aí

PC LUSTOSA: blz

WILTON: Ela vai atrasar um pouco o pessoal da Setas. Me mandou aqui.

Questionado pela coluna, o governador afastado, Wanderlei Barbosa, nega qualquer irregularidade e diz que não tem nenhum conhecimento sobre a existência de foto ou lista supostamente fraudados. A defesa d PC Lustosa também nega envolvimento nas supostas fraudes (leia mais ao final da reportagem).

De acordo com a PF, o empréstimo das cestas tinha como objetivo “encenar” o fornecimento do material que não havia sido produzido como estava previsto no contrato.

“Ocorre que pelos diálogos desenvolvidos entre o Sr. Paulo Cesar e seu irmão o Sr. Wilton, nos dias 07/02/2022 e 08/02/2022, verifica-se que o Idegesesc não produziu nenhuma cesta básica, tendo solicitado o empréstimo de kits a outra empresa para cumprir a fiscalização da Setas [Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social] e viabilizar a realização de fotos”, afirmou a PF.

Além da “foto fake”, as conversas em posse dos investigadores apontam que os suspeitos tramaram a criação de uma lista com 1.500 nomes que seria utilizada para prestar contas sobre quem teria sido beneficiado pelas cestas básicas.

Os indícios da suposta falsificação da lista veio a partir de um áudio, encaminhado de uma terceira pessoa por Wilton a PC Lustosa. Ouça:

WILTON: (Encaminha áudio de terceira não identificada). “Wilton, tem como você ver com o PC ou você conhecer alguém que tenha uma lista de nomes…. nomes, CPFs, a gente precisa de uns mil e quinhentos nomes ainda pra completar a lista, tá? Pra fazer a prestação de contas lá das cestas que o Tiago não tem né, e aí tá precisando desse restante. Fala com ele aí, vê aí se o PC tem alguma coisa ainda da campanha dele. É só nome e CPF”.

PC LUSTOSA: Meu Deus

PC LUSTOSA: Tenho nada, irmão, as coisas da campanha queimei tudo.

PC LUSTOSA: Roberto tá viajando.

PC LUSTOSA: Senão pedia para ele

PC LUSTOSA: Se tiver arruma

WILTON: Precisamos muito

“Corrobora o fato de não se ter produzido qualquer kit de cestas básicas a solicitação, em 17/02/2022 (nove dias após as fotos), de 1.500 (mil e quinhentos) nomes e CPFs pelo Sr. Wilton ao Sr. Paulo Cesar, expondo que seriam utilizados […] para prestar contas do recebimento das cestas básicas”, afirma a PF.

No dia seguinte, segundo mensagens incluídas na investigação da Polícia Federal, Wilton afirmou que uma terceira pessoa teria conseguido 600 nomes. O restante seria obtido de outra forma.

“A cronologia e sistemática observadas nos diálogos é compatível com o modus operandi que foi empregado nos contratos para o fornecimento de cestas básicas, em que o pagamento é antecipado e a entrega e distribuição das cestas básicas ocorre em um momento posterior”, conclui.

Como mostrou a coluna, os contratos para compra e distribuição de cestas básicas, segundo a PF, eram feitos pelo Instituto de Desenvolvimento de Gestão Social, Esportiva e Cultural (Idegsesc).

Segundo a PF, o Idegesec teve como presidente, entre 2013 e 2019, a primeira-dama de Tocantins, Karynne Sotero Campos. Os investigadores apontam que o Instituto está “umbilicalmente ligado” à primeira-dama.

Operação Fames-19

A segunda fase da operação Fames-19 foi deflagrada pela Polícia Federal em 3 de setembro e resultou no afastamento, por 6 meses, do governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa. A investigação mira supostas fraudes em compras de frangos congelados e cestas básicas durante a pandemia de covid-19.

A investigação aponta que os recursos desviados teriam sido ocultados em empreendimentos de luxo, compra de gado e despesas pessoais. Segundo a PF, os contratos sob suspeita somam cerca de R$ 97 milhões, com um prejuízo estimado aos cofres públicos de R$ 73 milhões.

O caso tramita sob sigilo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, segundo a PF, há “fortes indícios” de um esquema de desvio de recursos públicos entre os anos de 2020 e 2021, período em que os investigados teriam se aproveitado do estado de emergência em saúde pública e assistência social para fraudar contratos de fornecimento de cestas básicas.

Defesa

A coluna entrou em contato com o governador afastado Wanderlei Barbosa, que negou ter participado de qualquer esquema ilícito envolvendo contratos públicos no Tocantins.

“O Governador não teve, nem tem qualquer envolvimento com contratos firmados para aquisição e distribuição de cestas básicas ou frangos congelados durante a pandemia, desconhecendo completamente a existência de listas ou fotos supostamente fraudadas”, afirmou em nota da defesa.

Com relação às pessoas citadas nas gravações, o governador ressaltou que não mantém vínculos de proximidade e que jamais autorizou qualquer pessoa a agir em seu nome.

“A defesa reforça a confiança de que o devido processo legal esclarecerá os fatos, demonstrando a inocência do Governador Wanderlei Barbosa e pondo fim a insinuações infundadas”, conclui a defesa.

Já a primeira-dama Karynne Sotero diz que está separada de Paulo César Lustosa desde 2017, quatro anos antes das gravações mencionadas pela investigação. Ela também ressalta que não possui qualquer responsabilidade sobre os fatos apurados e que, desde então, não manteve qualquer vínculo, seja pessoal ou institucional, com PC Lustosa no período em que os áudios foram captados.

“Reforça, ainda, que é incorreto e injusto associar sua imagem à de Paulo César Lustosa, uma vez que suas trajetórias seguem completamente independentes há muitos anos”, afirmou também em nota.

A defesa de Paulo César Lustosa afirma que tomou conhecimento apenas de parte das informações do procedimento investigativo, e ressalta que as mensagens apresentadas tratam-se de recortes, trechos de conversas “descontextualizadas, que não refletem a realidade quando destacadas de forma fragmentada”.

Diz também que “infelizmente, a Polícia Federal trabalha dessa forma, como já fez em outras ocasiões, prejudicando a busca da verdade real, não se importando com a imagem de qualquer pessoa”.

“O Sr. Paulo Cesar reafirma que não tem qualquer envolvimento em esquemas ilícitos e confia que a Justiça esclarecerá todos os fatos no devido processo legal”, afirmou em nota enviada à coluna.

A coluna entrou em contato com a defesa de Wilton Rosa Pires, que disse ainda não ter tido acesso aos autos e não se manifestará no momento.

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