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    Ouça áudios sobre desvios em cestas básicas e frangos no Tocantins

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    Durante a investigação que resultou na operação Fames-19, que mira desvios em contratos do Tocantins para compra de cestas básicas e frangos congelados, a Polícia Federal (PF) encontrou uma série de áudios no celular de um dos investigados que mostram indícios dos trâmites fraudulentos do grupo envolvido no suposto esquema.

    Como mostrou a coluna, alguns desses áudios são trocados entre Paulo César Lustosa, conhecido como PC Lustosa, e seu irmão, Wilton Rosa Pires, que também foi alvo da PF no início de setembro.

    No diálogo, ambos falam sobre a continuidade do governo do estado do Tocantins e um suposto “esquema” engendrado no Executivo estadual. PC Lustosa chega a citar nominalmente o governador Wanderlei Barbosa, atualmente afastado do cargo por causa da operação.

    O governador afastado nega ter cometido qualquer irregularidade, e diz que não mantém vínculos de proximidade e que jamais autorizou qualquer pessoa a agir em seu nome. PC Lustosa também nega ter envolvimento nos fatos investigados, e afirma que as conversas foram tiradas de contexto (leia mais ao final da reportagem).

    “Cara, sai da mão do [Mauro] Carlesse, entra na mão do Wanderlei. Meu deus do céu, véi, cê não imagina o esquema que esses caras tão montando aí. Então, assim, eu acho que tem que rever um monte de coisa aí viu, bicho? Tá difícil, ficou um lugar difícil”, afirma PC Lustosa em um dos áudios. Ouça:

    Em outros áudios, também obtidos pela PF, os investigados discutem formas de burlar a prestação de contas da compra de cestas básicas por meio da elaboração de uma lista com 1.500 supostos beneficiários e uma “foto fake” com cestas emprestadas. Ouça:

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    Operação Fames-19

    A segunda fase da operação Fames-19 foi deflagrada pela Polícia Federal em 3 de setembro e resultou no afastamento, por 6 meses, do governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa. A investigação mira supostas fraudes em compras de frangos congelados e cestas básicas durante a pandemia de covid-19.

    A investigação aponta que os recursos desviados teriam sido ocultados em empreendimentos de luxo, compra de gado e despesas pessoais. Segundo a PF, os contratos sob suspeita somam cerca de R$ 97 milhões, com um prejuízo estimado aos cofres públicos de R$ 73 milhões.

    O caso tramita sob sigilo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, segundo a PF, há “fortes indícios” de um esquema de desvio de recursos públicos entre os anos de 2020 e 2021, período em que os investigados teriam se aproveitado do estado de emergência em saúde pública e assistência social para fraudar contratos de fornecimento de cestas básicas.

    Como mostrou a coluna, o esquema incluía o pagamento de propina aos integrantes do grupo. Os montantes, pagos indevidamente, eram tratados como “bênção”.

    O apelido foi constatado na investigação por meio de mensagens obtidas pelos investigadores. que também apontam para a preferência dos envolvidos por dinheiro em espécie para os pagamentos indevidos, usados para camuflar e até mesmo impedir o rastreamento dos montantes.

    “Em todos os envolvidos foi possível constatar a preferência pela realização de pagamentos mediante utilização de dinheiro em espécie, sendo comum o fracionamento e o provisionamento de saques em patamar inferior a cinquenta mil reais, muitos deles realizados em um mesmo dia, em prática conhecida como smurfing, para que fosse obstada a comunicação obrigatória de movimentação atípica para o COAF”, afirma decisão sobre o caso.

    Defesa

    A coluna entrou em contato com o governador afastado Wanderlei Barbosa, que negou ter participado de qualquer esquema ilícito envolvendo contratos públicos no Tocantins. Ele afirma que os próprios diálogos mencionados pela investigação “revelam que os interlocutores reconhecem que o Governador não aceita propina e fazem referência a práticas supostamente relacionadas ao governo anterior”.

    “O Governador não teve, nem tem qualquer envolvimento com contratos firmados para aquisição e distribuição de cestas básicas ou frangos congelados durante a pandemia, desconhecendo completamente a existência de listas ou fotos supostamente fraudadas”, afirmou em nota da defesa.

    Com relação às pessoas citadas nas gravações, o governador ressaltou que não mantém vínculos de proximidade e que jamais autorizou qualquer pessoa a agir em seu nome.

    “A defesa reforça a confiança de que o devido processo legal esclarecerá os fatos, demonstrando a inocência do Governador Wanderlei Barbosa e pondo fim a insinuações infundadas”, conclui a defesa.

    Em nota divulgada após a operação da Polícia Federal, no início de setembro, o governador disse que recebeu decisão do STJ com “respeito às instituições”, mas ressaltou que se trata de “medida precipitada, adotada quando as apurações da operação Fames-19 ainda estão em andamento, sem conclusão definitiva sobre qualquer responsabilidade da minha parte”.

    Segundo o governador, por sua determinação, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Controladoria-Geral do Estado (CGE) instauraram auditoria sobre os contratos mencionados e encaminharam integralmente as informações às autoridades competentes.

    Já a primeira-dama Karynne Sotero diz que está separada de Paulo César Lustosa desde 2017, quatro anos antes das gravações mencionadas pela investigação. Ela também ressalta que não possui qualquer responsabilidade sobre os fatos apurados e que, desde então, não manteve qualquer vínculo, seja pessoal ou institucional, com PC Lustosa no período em que os áudios foram captados.

    “Reforça, ainda, que é incorreto e injusto associar sua imagem à de Paulo César Lustosa, uma vez que suas trajetórias seguem completamente independentes há muitos anos”, afirmou também em nota.

    A defesa de Paulo César Lustosa afirma que tomou conhecimento apenas de parte das informações do procedimento investigativo, e ressalta que as mensagens apresentadas tratam-se de recortes, trechos de conversas “descontextualizadas, que não refletem a realidade quando destacadas de forma fragmentada”.

    Diz também que “infelizmente, a Polícia Federal trabalha dessa forma, como já fez em outras ocasiões, prejudicando a busca da verdade real, não se importando com a imagem de qualquer pessoa”.

    “O Sr. Paulo Cesar reafirma que não tem qualquer envolvimento em esquemas ilícitos e confia que a Justiça esclarecerá todos os fatos no devido processo legal”, afirmou em nota enviada à coluna.

    A coluna entrou em contato com a defesa de Wilton Rosa Pires, que disse ainda não ter tido acesso aos autos e não se manifestará no momento.