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PCC: prejuízo levou Sintonia dos 14 a decretar morte de ex-delegado

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PCC: prejuízo levou Sintonia dos 14 a decretar morte de ex-delegado

O nome de Ruy Ferraz Fontes circulava como uma pedra no caminho do crime, em cartas interceptadas pela Polícia Civil. Delegado que incomodava o Primeiro Comando da Capital (PCC), seu trabalho atrapalhou o tráfico de drogas em Cidade Tiradentes, zona leste paulistana, e no ABC, na região metropolitana, cortando um fluxo de dinheiro que, só na zona leste, beirava R$ 3 milhões mensais. Para a facção, a conta era simples: se o delegado tirava o sustento da “família”, o preço seria sua vida.

Já aposentado da polícia, Ruy Ferraz Fontes foi executado a tiros, no início da semana, em Praia Grande, litoral paulista, onde ocupava o cargo de secretário municipal da Administração. Desde que foi assassinado, o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) identificou e prendeu suspeitos, ligados ao PCC. A Corregedoria da Polícia Militar também entrou no caso, pela suspeita de envolvimento de policiais no crime.

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Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado da Polícia Civil de São Paulo

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Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado da Polícia Civil de São Paulo

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Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado da Polícia Civil de São Paulo

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No dia 10 de março de 2019, em uma casa escondida entre vielas de Cidade Tiradentes, a cúpula da célula conhecida como Bonde dos 14 reuniu-se. Na pauta, ordens vindas de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo da facção, transmitidas a Décio Gouveia Luiz, o Decinho, encarregado de operacionalizar o plano de execução do recém-empossado delegado-geral da Polícia Civil paulista, cargo ocupado por Ruy Ferraz até 2022, durante a gestão de João Doria.

Estavam presentes ainda na reunião Nailton Vasconcelos Martins, o Irmão Molejo, e Cleberson Paulo dos Santos, o Mimo, “disciplina” local. Ali ficou decidido: Ruy Ferraz deveria ser morto.

O “salve” da Sintonia Final

A reunião se desenrolou sob vigilância dos “olheiros” que mapeavam cada movimento de estranhos no bairro. A deliberação final ganhou corpo numa carta manuscrita, apreendida meses depois com Sandro de Cássio Souza, o Gardenal. O documento listava, como se fosse ata de assembleia, os encarregados pela missão:  Fernando Henrique, o Koringa;  Cleberson Paulo dos Santos, o Mimo; Jhonatan Rodrigues, o Barata; Alan Donizeti, o Tererê; e  Marcos Ferreira, o Corintiano.

O recado da “Sintonia Geral” era curto e grosso: “Se não for concluído [ o homicídio], cada irmão pagará com a própria vida”.

Na carta interceptada pela polícia, o PCC cobrava o “resultado dos trampos”, porque a repressão policial estava minando negócios no ABC paulista e na zona leste da capital, atingindo diretamente os 36 pontos de drogas administrados por Molejo.

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A execução do ex-delegado-geral da Polícia Civil Ruy Ferraz Fontes

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O velório do ex-delegado-geral da Polícia Civil Ruy Ferraz Fontes

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O velório do ex-delegado-geral da Polícia Civil Ruy Ferraz Fontes

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O velório do ex-delegado-geral da Polícia Civil Ruy Ferraz Fontes

Valentina Moreira/Metrópoles

Na contabilidade apreendida no celular de Gardenal, a rotina era meticulosa: R$ 94 mil arrecadados por dia, representando R$ 3 milhões por mês. Cada interrupção causada por operações policiais representava perdas diárias equivalentes ao faturamento de pequenas empresas legais.

Na cadeia de comando, Décio, forjado na convivência com Marcola no presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau, no interior paulista, articulava os investimentos: imóveis no Rio de Janeiro, empresas de fachada em São Paulo, aportes até em Búzios, em terras fluminenses.

Já Molejo, de dentro da Penitenciária de Lavínia II, comandava os pontos de tráfico. Mimo, na rua, cuidava das punições e os executores, como Koringa e Barata, estavam escalados para “bater o martelo” no “tribunal do crime”.

Retaliação ao trabalho policial

O plano de morte do delegado foi pensado como uma forma de retaliação e, ao mesmo tempo, pedagógica: serviria de aviso a outros investigadores que ousassem atravessar os fluxos financeiros da facção. Para sustentar a engrenagem, o Bonde dos 14 não vivia só de drogas. Havia também empréstimo de armas para assaltos, ocultação de bens e repasses que chegavam a cifras de R$ 1,5 milhão em operações de lavagem de dinheiro.

Em junho de 2019, a trama ganhou provas materiais. Gardenal foi preso em flagrante com drogas, arma raspada e a carta de execução. Os policiais descobriram vídeos que mostravam a divisão de tarefas do Bonde dos 14 e até relatórios de perdas: pedidos de reposição de drogas em cinco “biqueiras”, anotações de “vales” e recibos de “arame” — como é chamado o dinheiro recolhido diariamente das bocas.

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Mesmo preso, Gardenal seguiu atuante: sua esposa, Vanessa Cristina Pires Rebello, assumiu parte do controle dos negócios. No celular dele, mensagens mostravam que ela recolhia quantias, como R$ 1.622 de uma biqueira, e levava denúncias de traição para o tribunal do crime. Assim, a engrenagem seguiu girando, mostrando que o PCC tinha reservas para suportar baixas e seguir cobrando a execução de Ruy Ferraz.

Na prática, cada personagem do Bonde dos 14 tinha papel delimitado. Nelson, o Lixo, distribuía drogas; Guilherme, o Sedex, recolhia o grosso do caixa; Casinha liderava os olheiros; Corintiano aplicava penas;  Rodrigo Flausino, o Irmão Morto, fazia a contabilidade.

A reunião de todos esses nomes na carta interceptada mostrou que o homicídio de Ruy Ferraz não era obra de um pistoleiro isolado, mas de uma estrutura coletiva, decidida a defender o caixa da facção.

O delegado não chegou a ser executado na ocasião. O episódio, porém, expôs a lógica fria de uma organização que mede a vida de autoridades pelo impacto em seu faturamento. No cálculo da facção, a repressão de Ruy Ferraz equivalia a milhões evaporados dos cofres clandestinos. E, para o PCC, poucos crimes são tão graves quanto dar prejuízo à “família”.

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