A Polícia Civil de São Paulo se recusou a informar quem é o responsável pela doação que deu origem ao centro de treinamento de artes marciais do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), principal braço operacional da instituição. Respondendo a um questionamento feito pela reportagem, via Lei de Acesso à Informação (LAI), a instituição disse que o dado não pode ser divulgado, porque poderia “comprometer a confidencialidade e a segurança”.
Conforme revelado pelo Metrópoles, Gabriel Cepeda Gonçalves é apontado como o doador oculto do centro de treinamento. O empresário é sócio da rede de postos de combustíveis Boxter, que desde 2020 é investigada por lavar dinheiro para o Primeiro Comando da Capital (PCC). Em 28 de agosto, Cepeda foi alvo da Operação Carbono Oculto, deflagrada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP).
Matheus Serafim anuncia que CT do Deic está pronto
Reprodução
“As informações solicitadas envolvem dados de empresas, CNPJs e valores de doações, que fazem parte de negociações internas e processos administrativos ainda em andamento. A divulgação dessas informações neste momento poderia comprometer a confidencialidade, a integridade e a segurança dos dados, além de afetar o correto andamento dos procedimentos administrativos”, disse a Polícia Civil.
De acordo com a instituição, o nome do doador seria uma “informação preliminar”, porque o procedimento relacionado à construção do centro de treinamento ainda estaria em andamento.
Na semana passada, a própria Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse que a academia está pronta para a inauguração e já foi utilizada de forma experimental. O espaço chegou a ser anunciado nas redes sociais por um influenciador que teria intermediado a doação. A pasta nega que Gabriel Cepeda esteja envolvido no custeio da obra.
“Amigo Cepeda”
A participação de Gabriel Cepeda na construção do centro de treinamento do Deic foi anunciada nas redes sociais por um amigo dele: o influenciador digital e ex-lutador de MMA Matheus Serafim. Em agosto, dias antes da operação Carbono Oculto, a dupla se reuniu com o diretor do Deic, Ronaldo Sayeg, na sede do departamento.
Viatura estacionada em frente à sede do Deic
Foto: Ciete Silvério/Governo do Estado de SP
Viatura estacionada em frente à sede do Deic
Foto: Ciete Silvério/Governo do Estado de SP
Na ocasião, Serafim publicou uma foto em seu Instagram dizendo que o empresário “não mediu esforço” para construir a academia.
“Agradecer meu grande amigo Gabriel Cepeda que ao meu pedido não mediu esforço para construir um dos maiores e mais bem equipados centro (sic) de treinamento da Polícia Civil – Deic. Obrigado irmão pela parceria de sempre, logo logo inauguração”, disse o ex-lutador.
Após a operação, a publicação foi apagada, mas seu link continua visível no Google, o que permitiu ao Metrópoles acessar o texto original por meio do código fonte da página.
Questionado pela reportagem, Matheus Serafim negou que Cepeda tenha feito a doação para o CT do Deic. Ele disse que mentiu na postagem, com o objetivo de “dar uma moral” ao amigo, a quem pretendia agradar.
“Eu quis agradar ele. Essa é a verdade. Ele seria um grande parceiro meu, mesmo em relação às minhas pretensões políticas, nos projetos sociais que eu tenho. As coisas dependem muito de empresário”, afirmou o ex-lutador por telefone.
“Isso não quer dizer que ele tinha algum envolvimento com a academia. Eu até tinha pretensões de querer que ele ajudasse, mas não aconteceu”, completou.
Ao Metrópoles, Ronaldo Sayeg disse que, quando se reuniu com o dono da rede Boxter, a academia já estava em construção, a partir da doação de um outro empresário. O diretor do Deic disse que não poderia revelar quem foi o doador, alegando que isso poderia ferir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Leia também
-
Suspeito de elo com PCC é apontado como doador secreto de CT do Deic
-
Ex-contador de Lulinha é alvo de operação contra postos ligados ao PCC
-
El Monstruo, mafioso que se escondeu em SP com ajuda do PCC, é preso
-
Operação contra esquema do PCC busca bloquear R$ 7 bilhões em bens
Questionada pela reportagem na época, a Secretaria da Segurança Públicadisse que só poderia informar quem seria o responsável por custear a construção do CT do Deic via Lei de Acesso à Informação. A reportagem já havia solicitado a informação por LAI, em 4 de setembro, que foi respondida nessa quinta-feira (5/9).
Boxter e PCC
A ligação entre a rede Boxter de postos de combustível e o PCC foi apontada pela primeira vez na Operação Rei do Crime, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em 2020. Na ocasião, foram presos o pai de Gabriel Cepeda, Natalício Gonçalves Filho, e o irmão dele, Renan Cepeda.
Na representação que deu origem à operação Carbono Oculto, em 28 de agosto deste ano, os promotores do Gaeco de São Paulo disseram que Renan Cepeda é “uma pessoa chave na organização criminosa”, mantendo sua influência na rede Boxter por meio de seu irmão.
Gabriel Cepeda teria transferido a titularidade de pelo menos 24 postos de combustíveis para um laranja do grupo, sem declarar as vendas à Receita Federal. O laranja em questão, Luiz Felipe do Valle, teria 61 postos de combustível registrados em seu nome.
Gabriel e Natalício Cepeda foram alvos de um mandado de busca e apreensão, em um apartamento na Vila Maria, na zona norte da capital. Mais de 150 mandados foram cumpridos.
Na Carbono Oculto, os promotores avançaram sobre como o PCC sofisticou seus mecanismos para lavar o dinheiro do crime organizado. A investigação se debruçou sobre fintechs que oferecem “contas bolsão”, com proteção contra bloqueios judiciais, e também sobre uma rede de fundos de investimentos da Faria Lima constituídos em cadeia, como forma de blindar patrimônios e esconder a identidade do beneficiário final dos recursos.