A entrega atrasada não é privilégio brasileiro, precisamos conhecer o Pony Express. Em 1860, os Estados Unidos, ainda com cheiro de pólvora da guerra civil, resolveram acelerar a comunicação entre o Estado do Missouri e a Califórnia. O responsável pela discutível façanha? William Frederick Cody, o Buffalo Bill, que além de exterminador de búfalos e herói de faroeste, foi também um empreendedor do correio ligeiro. O cara nasceu para o espetáculo: se não estava caçando, estava inventando, e se não estava inventando, montava circo para contar a própria história.
O Pony Express era simples e genial: cavalos velozes, cavaleiros destemidos e estações de troca pelo caminho. O povo acreditava tanto na ideia que parecia final de Copa: multidões torcendo, políticos vibrando e investidores abrindo a carteira. A missão era clara — cartas cruzando o país em dez dias, algo espetacular para a época. A nação inteira comprou o projeto, como quem aposta no próximo campeão da NBA. No Amazonas, o Hajato, barcos menores e com altíssima velocidade, cobrem as cidades, entregando cargas e passageiros com curtos intervalos nas atracações aos portos. A imitação que deu certo do Pony Express.
Agora, façamos a comparação com o Brasil e seu glorioso Correios. Nosso carteiro não chega cavalgando, mas já chegou a andar de bicicleta e hoje pilota motos que enfrentam buraqueiras maiores que as crateras da Lua. O Correios é uma instituição que já entregou, desde cartas de amor até remédios vitais, em regiões onde nem GPS ousa entrar. É o braço do Estado que chega onde banco não quer chegar, onde internet não pega, onde até promessa de político tem medo de pisar.
Mas, ao contrário do Pony Express, que durou pouco mais de 18 meses e acabou atropelado pelo telégrafo sem fio, o Correios, só pelo povo brasileiro, insiste em sobreviver. Entre privatizações anunciadas, greves históricas, atrasos folclóricos e entregas que viram lendas urbanas (“sua encomenda está em trânsito para a unidade de distribuição”), o Correios é a cara do Brasil: resiste a tapas, beijos e carimbos.
Vantagens do Correios? São muitas. Primeiro, a imensa capilaridade: nenhum aplicativo de entrega chega em São Gabriel da Cachoeira, interior do Amazonas, de onde se vê o Pico da Neblina, o ponto culminante do Brasil. Segundo, o preço: enviar uma carta ainda é barato, quase uma pechincha, mesmo que chegue na semana que vem. Terceiro, a função social: o Correios sustenta sonhos e empregos, integra o país e garante que a democracia receba sua urna eletrônica em temporada de honradas eleições.
Desvantagens? Também não faltam. Burocracia digna de filme do Fellini, filas que parecem o purgatório e greves que transformam um simples boleto numa bomba-relógio para o seu nome no SPC. Além disso, a concorrência privada — transportadoras, aplicativos, drones — já ameaça o monopólio. Mas, enquanto o americano idolatrava Buffalo Bill e seus cavaleiros voando pelas pradarias, o brasileiro torce para que o Correios dê certo, enquanto seus ocupantes fazem de tudo para que dê errado.
A diferença cultural é gritante. O povo americano queria o sucesso do Pony Express porque acreditava no progresso. Aqui, cada vez que o Correios tenta modernizar, aparece uma corrente contrária puxando para baixo: política, má gestão, sindicato, lobby. Buffalo Bill transformou até a falência do Pony Express em espetáculo. Criou shows de faroeste itinerantes que rodaram o mundo, vendendo a imagem do cowboy invencível.
Mas sejamos justos: o Correios é espetacular quando funciona. Entregar pacotes de norte a sul, do Oiapoque ao Chuí, passando por seringais do Acre e beira de rios e lagos, no Amazonas, não é tarefa fácil. É coisa para guerreiros. Não tem FedEx ou UPS que dê conta desse território amazônico com o mesmo know-how e custo. O problema é que, diferente dos americanos de 1860, aqui, só o povo parece acreditar que a nossa própria instituição possa ser motivo de orgulho. Os seus administradores são terríveis, devem ser escolhidos pelo Conde Vlad, o Empalador da Transilvânia, na Romênia. O Correios se prepara para mostrar mais um espetacular recorde negativo de 5 bilhões, em 2025, e nós seguraremos a parada, novamente, até a sua heróica privatização.
Roberto Caminha Filho, economista, não entende essa tara vampiresca pelo Correios.