A Polícia Civil de São Paulo investiga a participação de despachantes e funcionários terceirizados dos terminais de carga do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, na região metropolitana, no furto de milhões de reais em mercadorias — que vão desde itens para pets até medicamentos de alto custo.
Em pouco mais de quatro meses, o bando que age no maior complexo aeroportuário do país provocou um prejuízo consolidado de, ao menos, R$ 19,9 milhões em produtos, conforme nove registros policiais obtidos pelo Metrópoles.
Em um dos casos investigados, ficou comprovado o envolvimento direto de um terceirizado da GruAirport, concessionária que administra o aeroporto. Ele foi reconhecido como a pessoa que conduziu uma empilhadeira para transportar pallets com a carga furtada até o veículo de fuga dos criminosos.
Em outros boletins de ocorrência, incluindo aqueles que investigam a subtração de eletrônicos, joias e artigos de luxo, o próprio representante da concessionária relatou à polícia que as sindicâncias internas apontam para furtos cometidos com abuso de confiança ou mediante fraude — o que indica a participação de funcionários como fator crucial para o sucesso dos crimes.
Operação Check-In
Na última quinta-feira (25/9), três homens apontados como integrantes da quadrilha foram presos pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), durante a Operação Check-In, na qual também foram cumpridos oito mandados de busca e apreensão.
A ação dos criminosos, durante um furto em 23 de junho, foi registrada por uma câmera de monitoramento (assista abaixo). Na ocasião, foram levadas telas de celular, cujo valor foi estimado em R$ 1 milhão, de acordo com a Polícia Civil.
Remédios para câncer de pulmão
A carga de maior valor levado pelos criminosos, em 8 de julho deste ano, continha o medicamento Nintedanibe, usado para tratar doenças pulmonares que causam fibrose (cicatrização do tecido pulmonar), incluindo o tratamento de câncer de pulmão. Uma caixa com 60 comprimidos do remédio, semelhante às levadas pela quadrilha, custa, em média, R$ 15 mil. Ao todo, a carga furtada estava avaliada em R$ 16.170.640,90.
Registro do 3º Distrito Policial do Aeroporto de Guarulhos mostra que, por volta das 8h40, o motorista de um caminhão — identificado como Henrique Alberto Soares — foi até o terminal de carga de uma importadora, no aeroporto, onde apresentou um recibo. Posteriormente, retirou dois volumes, que foram colocados no caminhão que dirigia. Em seguida, ele deixou o local com o veículo e se deslocou para um “destino ignorado”, segundo o documento.
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Empilhador deixou cargas de telas de celular em um ponto estratégico para ser roubado
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Ele não tinha autorização da Receita Federal
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Horas depois, um suspeito entrou no terminal de cargas e furtou as telas de celular
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Três homens foram presos na operação policial
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Um dos suspeitos preso estava com um carimbo em nome de outro funcionário
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Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, região metropolitana
Fábio Vieira/Metrópoles7 de 7
Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, região metropolitana
Disparidade de valores
A comparação entre as cargas furtadas pelos criminosos ilustra a diversidade dos alvos e disparidade dos valores dos itens levados. O furto milionário dos medicamentos de alto custo, por exemplo, contrasta radicalmente com outro caso, no qual bolinhas de brinquedo para pet, furtadas no último dia 4, foram levadas — nesse caso, a carga foi avaliada em R$ 13 mil.
Apesar da diferença de valores, o método usado pelo bando para furtar os brinquedos sugere o acesso interno da quadrilha aos terminais de carga do aeroporto.
Como consta em documentos policiais obtidos pela reportagem, câmeras de monitoramento captaram uma empilhadeira levando os itens até as docas, onde a carga foi colocada em um veículo.
Segundo a polícia, o condutor da empilhadeira foi identificado como funcionário da GruAirpor. Os dados dele, porém, não foram apresentados no momento em que o boletim de ocorrência foi registrado.
Principais furtos de carga (abril a setembro de 2025)
- 14/04/2025, Via Pública (Rua do aeroporto): furto de 57 volumes não especificados, com valor total de R$ 356.738,28.
- 08/05/2025, no Terminal de Cargas de Importação GruAirport: furto de placas de vídeo (35 caixas) avaliadas em R$ 1.157.812,20, além de processadores em dólar (R$ 35.118,00).
- 08/07/2025, no Terminal de Cargas de Importação GruAirport: furto de medicamentos avaliados em R$ 16.170.640,90.
- 03/09/2025, no Terminal de Cargas: furto de itens de prata (bracelete e brinco da marca Bottega), totalizando R$ 2.945,00.
- 04/09/2025, no Terminal de Cargas de Importação: furto de bolinhas de brinquedo para pets, avaliadas em R$ 13.040,95.
- 05/09/2025, no Terminal de Cargas: furto de mochilas/bolsas Gucci, avaliadas em R$ 9.309, e calçados Gucci, cujo valor era de R$ 4.186.
- 09/09/2025, no Terminal de Cargas: furto de computador Macroex, no valor de R$ 23.855,18.
Itens de fácil escoamento
Os criminosos também visam outros produtos de alto valor agregado e fácil escoamento, como eletrônicos e itens de luxo. Em maio, foram furtadas 35 caixas de papelão contendo placas de vídeo para computadores, resultando num prejuízo de R$ 1.157.812,20. Além disso, peças de luxo das marcas Gucci e Bottega foram subtraídas no mês de setembro.
Quase todos os furtos foram localizados dentro ou nas imediações do Terminal de Cargas do Aeroporto Internacional de Guarulhos.
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O padrão de ação, tipificado como furto com abuso de confiança, fraude ou destreza, reforça a tese de que os autores se valeram de facilidades logísticas ou de acesso a sistemas — como o de movimentação de carga — para desviar as mercadorias, uma vez que não foram encontradas “no local indicado”.
Até o momento, todos os furtos mencionados nesta reportagem foram registrados como de autoria desconhecida. As investigações buscam esclarecer a identidade desses criminosos e confirmar a extensão da participação de funcionários, cujos dados, em um dos casos, a própria GruAirport se incumbiu de apresentar à polícia.
O que dizem a GruAirport e a polícia
A GruAirport, que administra o aeroporto de Guarulhos, foi questionada sobre o prejuízo milionário atribuído à ação da quadrilha. Em nota, não comentou sobre os casos mencionados pelo Metrópoles, afirmando repudiar “qualquer prática criminosa” e colaborar com a polícia.
A concessionária acrescentou que nenhum dos três presos, na ação do Deic de quinta-feira, era funcionário da empresa.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que o Deic investiga as ações da quadrilha desde maio, acrescentando que a GruAirport colabora com o fornecimento de informações necessárias “para o esclarecimento dos fatos”.
Entre janeiro e julho deste ano, data da mais recente atualização estatística da SSP, a delegacia do aeroporto registrou 897 furtos em geral, o que representa quatro casos diários. Comparando com as 663 ocorrências do ano passado, houve aumento de 35% nesse tipo de crime.