O relatório “Crianças roubadas da Ucrânia: dentro da rede de reeducação e militarização da Rússia”, do Humanitarian Research Lab (HRL), ligado à Escola de Saúde Pública de Yale — terceira mais antiga instituição de ensino superior dos Estados Unidos —, denuncia que a Rússia mantém, em larga escala, um programa sistemático de deportação, reeducação e militarização de crianças ucranianas. As vítimas teriam entre 4 e 17 anos
A rede teria sido intensificada desde o início da guerra contra o país vizinho, em 2022. Segundo os pesquisadores, a prática viola convenções internacionais e pode configurar crime de guerra.
Leia também
-
Rússia e Belarus pretendem usar armas nucleares em exercício militar
-
Príncipe Harry faz viagem surpresa à Ucrânia e apoia soldados feridos
-
Rússia abateu 221 drones ucranianos que atacaram regiões do país
-
Rússia faz o maior ataque aéreo a Ucrânia desde o início da guerra
Divulgado nesta terça-feira (16/9), o levantamento identificou uma rede de 210 locais espalhados por Rússia, Bielorrússia, Crimeia e territórios ucranianos ocupados, para onde os menores são enviados pelo governo russo sem consentimento.
O relatório destaca dois perfis principais de crianças:
- Crianças com família: muitas foram retiradas de suas casas em territórios ocupados, enviadas a “acampamentos de férias” ou internatos, e depois impedidas de voltar.
- Crianças em situação de vulnerabilidade: órfãs, institucionalizadas, com deficiência ou de famílias pobres foram alvos preferenciais — e, nesses casos, há registros de adoções forçadas por famílias russas, prática proibida pelo direito internacional.
O Direito Internacional Humanitário e a Convenção das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos da Criança estabelecem que crianças órfãs ou separadas de suas famílias, em um contexto de guerra, devem receber proteção e apoio especiais e só podem ser evacuadas temporariamente, com a preservação de sua segurança, identidade e nacionalidade.
Se o retorno ao país de origem não for possível, elas devem ser acolhidas por um país neutro. No entanto, o programa russo, segundo o HRL, viola essas proteções.
Reeducação cultural
Foram identificados pelo estudo, por meio de dados públicos e imagens de satélite de alta resolução, oito tipos de instalações para onde crianças ucranianas foram levadas:
- Escolas de cadetes: escolas secundárias na Rússia focadas em treinamento militar
- Bases militares: instalações ativas usadas por um ou mais ramos do Ministério da Defesa da Federação Russa
- Instalações médicas: hospitais e clínicas, incluindo clínicas de cuidados especializados
- Instituições religiosas: igrejas, mosteiros e outros locais cujo propósito principal é sediar atividades religiosas
- Escolas secundárias e universidades: escolas e universidades de natureza civil
- Entidades comerciais que oferecem estadia temporária paga
- Orfanatos e centros de apoio familiar: instituições especializadas projetadas para fornecer cuidados 24 horas a órfãos, crianças sem cuidados parentais e crianças com deficiências que necessitam de alto suporte
- Acampamentos e sanatórios: instalações de férias com tudo incluído e atividades no local, como esportes, oficinas, artes e ofícios e tratamentos de saúde
Em 61,9% dos locais, o estudo documentou atividades de “reeducação cultural”, definidas como a promoção de mensagens ou ideias culturais, históricas, sociais e patrióticas alinhadas aos interesses do governo russo.
Nesses centros, elas passam por processos de assimilação cultural, com currículos adaptados para reforçar a identidade russa, uso de símbolos estatais, culto à figura de Vladimir Putin e negação da história e da soberania da Ucrânia.
As atividades incluem palestras sobre história e geopolítica, visitas a museus e locais históricos, canto do hino nacional da Rússia e participação em programas com temas patrióticos, conduzidos exclusivamente em russo.
Militarização de crianças
Crianças a partir de 8 anos são direcionadas para o “programa de militarização”, onde recebem condicionamento físico e psicológico à cultura e práticas do exército russo, incluindo simulações de combate e treinamento com armas de fogo.
Pelo menos 18,6% dos locais identificados pelo estudo são voltados para essas atividades. Entre elas destacam-se o desenvolvimento de equipamentos militares, como drones, detectores de minas e robôs carregadores rápidos para fuzis de assalto, e a montagem e desmontagem de armas.
Mais da metade dos locais onde ocorreu militarização de crianças da Ucrânia (58%) são diretamente gerenciados pelo governo russo. Seu envolvimento se manifesta de três formas principais:
- Fornecimento de ativos logísticos ou financeiros estatais;
- Controle por meio de órgãos governamentais federais; e
- Criação e financiamento de organizações não governamentais
Ao término do programa, o destino das crianças varia. Algumas voltam para casa após passarem por reeducação, outras são detidas por tempo indefinido.
Em certos casos, as crianças são incluídas no programa russo de acolhimento e adoção coerciva, sendo eventualmente enviadas à famílias na Rússia e tornando-se cidadãos naturalizados.
Crime de guerra
O relatório conclui que a combinação de deportação e transferência forçada, reeducação cultural coercitiva, militarização, separação das famílias e da identidade nacional, tudo sob direção do governo russo, constitui atos que violam gravemente leis internacionais, configurando crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
“Estamos diante de uma política centralizada que busca reeducar, militarizar e apagar a identidade nacional de crianças ucranianas”, concluem os pesquisadores, que pedem resposta internacional urgente e responsabilização das autoridades russas em instâncias multilaterais.