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Sem virar a página (por Mary Zaidan)

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Sem virar a página (por Mary Zaidan)

Se a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de militares de alta patente tem dimensão histórica em um país que jamais puniu quem atentou contra o Estado, ela está longe de fechar um ciclo na política brasileira. Ao contrário. Não há qualquer indicativo de recuo dos golpistas ou de que o digladio entre os extremos, que há anos emperra o país, vá arrefecer. À direita e à esquerda.

Nesta semana, radicais bolsonaristas devem intensificar a batalha pelo acintoso projeto de anistia ampla, geral e irrestrita. No outro lado, amplia-se o trato publicitário da soberania nacional, que tem rendido frutos à popularidade do presidente Lula, ainda que sob o risco de banalizar o conceito de soberania, tamanho o seu uso e abuso.

Ou seja, no Brasil elogiado e até invejado por defender com bravura a sua democracia, a política mesquinha, pobre e rasa continuará a imperar.

O resultado do julgamento era esperado. Só o presidente Donald Trump o considerou “surpreendente”. Por aqui, a única “surpresa” foi o voto do ministro Luiz Fux em favor da absolvição, até porque onze em cada dez brasileiros davam como certa a condenação. Não por outro motivo, há tempos os aliados mais fieis vinham tramando saídas heterodoxas para tentar livrar o “mito” da cadeia.

A aposta na anistia começou a ser costurada no ano passado, travestida de benefício à massa de manobra que depredou os palácios dos Três Poderes no 8 de janeiro de 2023. Agora o perdão light é firmemente rejeitado pelos bolsonaristas. Ou a anistia libera Bolsonaro, inclusive devolvendo-lhe a elegibilidade, ou imolam-se todos.

Auto-exilado nos Estados Unidos desde o carnaval, o deputado Eduardo Bolsonaro usou o modelo de anistia ampla nas negociações com os assessores de Trump. Teria garantido que a chantagem tarifária, antes mesmo de o tarifaço entrar em vigor, poderia pressionar a tramitação do perdão ao pai no Congresso. Perdeu, mané. Dobrando a aposta e errando de novo, lutou pelas sanções ao ministro Alexandre de Moraes, relator do processo contra os golpistas, e para outros ministros da Corte, exceto, por óbvio, Fux.

Sabia-se que as absurdas e despropositadas tarifas e sanções trumpistas seriam rechaçadas. O que o filhote americanizado não mediu foi o quanto elas catapultariam o adversário.

De graça, foi dada ao presidente Lula a aura de defensor da soberania nacional, tão eficiente quanto a de paladino da democracia usada na campanha vitoriosa de 2022. De quebra, o movimento bestial do zero três permitiu cravar Bolsonaro e os seus como traidores e inimigos da pátria. Uma marca eternizada na bandeira gigante dos Estados Unidos estendida pelos manifestantes pró-anistia na Avenida Paulista em plena comemoração da Independência do Brasil.

Em desvantagem no pós-condenação, o bolsonarismo raiz tem pouco a perder e, portanto, deve endurecer o jogo. Eduardo está buscando novas sanções dos Estados Unidos aos ministros que condenaram o pai e, até mesmo, ao Brasil – talvez mais tarifas. Na Câmara, o esforço será para que a anistia não perca o fôlego. Mas como não há coesão neste campo, os movimentos da ala que apoia a candidatura do governador paulista Tarcísio de Freitas, Centrão à frente, tendem a fermentar a anistia branda, sem perdão irrestrito para o ex, cuja libertação passaria a depender de um futuro indulto caso Tarcísio seja candidato e vença as eleições. De pronto, a família Bolsonaro condena o arranjo.

O Congresso, que ficou praticamente paralisado à espera da condenação, tende a continuar em ritmo de tartaruga, priorizando debates que passam longe das urgências do país. À direita, só existem duas pautas: CPMI do INSS, se possível com amplo desgaste do governo, e anistia. Anistia em vez de reforma tributária, anistia no lugar da segurança pública, barganha por anistia para votar a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. Por sua vez, Lula ameaça demitir do governo qualquer um que votar pela anistia, incluindo os indicados por parlamentares para cargos no Executivo. Só aí, a lista do Centrão é gigantesca.

A condenação de Bolsonaro e seus asseclas lavou a alma dos que creem na democracia, mas para muitos – à direita e à esquerda – a ficha ainda não caiu. Do contrário, a decisão histórica não seria bombardeada por tentativas golpistas de anistia nem transformada em marketing eleitoral.

 

Mary Zaidan é jornalista

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