No Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio (10/9), o alerta é claro: não basta observar, é preciso conversar. Dentro de casa ou na escola, falar sobre saúde mental com os adolescentes pode ser desconfortável, mas é fundamental. A adolescência é uma fase de intensas mudanças e, muitas vezes, de vulnerabilidades emocionais. Em um mundo que ainda carrega tabus sobre o sofrimento psíquico, o diálogo pode ser a principal forma de proteção.
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Para entender como as famílias podem abordar esse tema delicado com os filhos, principalmente adolescentes, o Metrópoles conversou com o psiquiatra Fábio Aurélio Leite, do Hospital Santa Lúcia Norte, e com o pedagogo Alexandre Lucas, professor e orientador educacional da UNIG.
Diálogo começa cedo e salva vidas
“Se é tabu, tem que ser quebrado”, afirma o psiquiatra Fábio Aurélio Leite logo no início de sua fala. Para ele, não há dúvida: o diálogo é essencial, desde que conduzido com sensibilidade. “Isso é uma coisa que se constrói desde pequeno. Não é na adolescência que você vai criar uma intimidade do nada”, pontua. O médico ressalta que pais e mães devem manter canais de comunicação abertos, e que a escuta ativa precisa vir antes do julgamento ou da tentativa imediata de resolver tudo.
“Tem que ser uma conversa tranquila, direta e natural. Não precisa solenidade nem tom de alerta, e sim acolhimento”, orienta Leite. Segundo ele, a aproximação pode vir de forma leve, em momentos casuais, como um passeio ou um jantar em família. O importante é mostrar interesse genuíno: “Fala que está preocupado, pergunta se alguém comentou algo na escola, se já ouviu falar da campanha. Às vezes, puxar o assunto por uma notícia pode ser um bom começo.”
Mudanças de comportamento em adolescentes: sinais que pedem atenção
Adolescentes nem sempre dizem com todas as letras que estão sofrendo e é justamente por isso que os sinais não verbais merecem atenção.
“Os adolescentes podem ficar mais impulsivos, irritados ou, ao contrário, se isolar e se calar. Às vezes verbalizam de forma indireta, falam de alguém que morreu, comentam sobre tristeza ou doença de modo sutil”, explica o psiquiatra.
Leite destaca ainda que eventos específicos podem intensificar o sofrimento: términos de relacionamento, frustrações escolares, conflitos familiares. “Qualquer trauma relevante pode desencadear pensamentos negativos”, alerta.
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A escola ensina, mas também acolhe. E a família, mais ainda
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Não espere a adolescência; quanto mais cedo a conversa, melhor
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Às vezes, tudo que alguém precisa é de um “como você está de verdade?
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Você não precisa saber tudo que passa na cabeça de um adolescente — só precisa estar ali, disposto a ouvir
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Escola: espaço de escuta e validação
A escola tem papel central na rede de proteção emocional dos jovens. “É onde eles passam a maior parte do tempo e onde os comportamentos se manifestam”, lembra o médico. Para o pedagogo Alexandre Lucas, a escola precisa ser mais do que um espaço de transmissão de conteúdos: deve ser também um lugar de observação cuidadosa e de acolhimento.
“As dificuldades de aprendizagem fragilizam a autoestima do adolescente porque a escola é um espaço de validação social. Quando ele se percebe incapaz de acompanhar a turma, internaliza a sensação de fracasso”, explica o educador, fazendo referências às teorias de Albert Bandura e Erik Erikson, que associam frustrações constantes à vulnerabilidade emocional.
Nesse contexto, o papel dos profissionais de educação é fundamental. “Mudanças sutis de comportamento muitas vezes já sinalizam fragilidades emocionais, um orientador educacional atento pode ser o primeiro a notar que algo está errado”, afirma Lucas.
Na dúvida, converse com seu filho adolescente. No silêncio, esteja presente
A importância de uma rede de apoio ativa
Nem escola nem família devem enfrentar sozinhas os desafios da saúde mental na adolescência. A construção de uma rede de apoio, integrada e ativa, é indispensável. “O adolescente se desenvolve em diferentes contextos que se influenciam mutualmente”, explica Alexandre Lucas, citando a teoria ecológica de Bronfenbrenner. “Quando a escola identifica sinais e aciona a família, e esta dialoga com profissionais da saúde, o risco de invisibilidade do sofrimento psíquico diminui consideravelmente.”
Cobrança ou acolhimento? O equilíbrio possível
Para muitos pais, encontrar o ponto de equilíbrio entre cobrança e acolhimento é um desafio. “O baixo rendimento escolar costuma ser a consequência, não a causa do problema”, afirma Lucas. Ele defende que as notas devem ser vistas como um indicador e não como um veredito. “A escuta ativa é essencial. Quando o adolescente percebe que a família valoriza sua integridade e respeita seu tempo, tende a recuperar o equilíbrio emocional.”
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Adolescentes precisam de escuta, não de julgamento
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A escola ensina, mas também acolhe. E a família, mais ainda
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Falar pode salvar. Ouvir com empatia pode transformar
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Falar sobre saúde mental ainda é tabu. Por isso mesmo, é urgente
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A conversa salva
Setembro Amarelo é mais do que uma campanha: é um convite à escuta, à empatia e à coragem de romper o silêncio. E essa conversa começa em casa. O que está em jogo não é apenas o desempenho escolar ou o bom comportamento, é a vida.
Mesmo quando não há sinais aparentes, trazer o tema à tona é um gesto de cuidado. E como lembra o psiquiatra Fábio Aurélio Leite, isso pode ser feito de forma simples: “Pergunte o que o adolescente pensa sobre o assunto. Escute. Converse. Porque às vezes, o que salva, é só ter alguém ali, pronto para ouvir.”
Se você ou alguém que você conhece precisa de ajuda, procure um serviço de saúde mental ou ligue para o CVV (188), que oferece apoio emocional gratuito e sigiloso 24 horas por dia.