A humanidade enfrenta um problema silencioso e cada vez mais perigoso: o lixo espacial. Satélites desativados, pedaços de foguetes e milhões de fragmentos menores circulam ao redor da Terra em alta velocidade, ameaçando naves ativas, a Estação Espacial Internacional (ISS) e até outras missões tripuladas. Esse cenário é conhecido como síndrome de Kessler, que descreve uma possível reação em cadeia de colisões em órbita.
Com o crescimento das constelações de satélite e a falta de políticas globais rígidas para descartar equipamentos ao fim da vida útil, a possibilidade de colisões em cascata deixou de ser uma teoria distante e tornou-se uma preocupação real.
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Qual o maior risco?
Segundo o físico Rendisley Aristóteles, doutor pela Universidade de Brasília (UnB), a órbita baixa da Terra (LEO) vive o período mais crítico da história espacial. “Acima de 10 cm, sabemos com boa precisão onde estão os objetos. O problema maior está nos fragmentos menores, abaixo dessa faixa, que não conseguimos rastrear individualmente, mas que têm energia suficiente para perfurar satélites e até ameaçar missões tripuladas”, explica.
O ponto mais vulnerável fica entre 800 e mil km de altitude, região com grande concentração de satélites em órbitas polares e heliossíncronas. Nessa faixa, o atrito atmosférico é fraco, o que significa que os detritos podem permanecer em órbita por décadas.
“Só cumprir as regras de fim de vida, como desorbitar ou enviar satélites para órbitas-cemitério, não basta. É preciso remover ativamente grandes carcaças que representam risco de colisão”, alerta Aristóteles.
Tecnologias para limpar o espaço
O engenheiro aeroespacial Matheus Borges Sampaio explica que já existem soluções em desenvolvimento para enfrentar o problema. Uma delas é o Drag Sail, velas leves que aumentam o arrasto atmosférico e fazem pequenos satélites caírem mais rápido.
Outra é o uso de redes ou arpões que capturam detritos e os direcionam para a reentrada da Terra. Também existem os services robóticos, naves equipadas com braços mecânicos capazes de agarrar satélites fora de serviço e rebocá-los.
Essas tecnologias têm vantagens, mas também muitos desafios. “O maior problema está na escalabilidade. Remover um ou dois satélites é viável, mas lidar com milhões de fragmentos pequenos é extremamente caro e difícil. Além disso, capturar detritos que giram descontroladamente exige sensores de alta precisão e sistemas complexos de propulsão”, afirma Sampaio.
Outras ideias ainda em fase experimental incluem o uso de cabos eletrodinâmicos, feixes iônicos e até lasers capazes de empurrar detritos. Embora promissoras, essas alternativas enfrentam barreiras técnicas, legais e financeiras.
Consequências do lixo espacial
Os impactos do lixo espacial vão muito além do risco de colisão com satélites de comunicação. Observatórios astronômicos em solo já sofrem com o excesso de reflexos e trilhas luminosa que contaminam imagens do céu.
A radioastronomia — que estuda corpos celestes por meio da análise de ondas de rádio —, por sua vez, enfrenta ruído crescente causado por milhares de emissores orbitais.
Eventos passados mostram que a ameaça é concreta. O teste anti-satélite chinês de 2007, a colisão entre Iridium 33 e Cosmos-2251 em 2009, e o teste russo de 2021 criaram nuvens de detritos que até hoje cruzam órbitas ativas. A ISS, inclusive, já precisou realizar manobras de desvio para evitar choques.
Se a tendência atual continuar, a órbita baixa pode se tornar tão congestionada que inviabilizaria não apenas missões científicas e tripuladas, mas também serviços do dia a dia, como GPS, previsão do tempo, telecomunicações e internet via satélite.
“O número de projéteis invisíveis é gigantesco e já causa danos. A estabilização da órbita baixa só será possível com coordenação internacional e ações consistentes de remoção ativa”, reforça Aristóteles.
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