Uma nova maneira de fazer “diplomacia”(!) está sujeita hoje ao estilo de Donald Trump, do bate e assopra, cujo exemplo maior foi o bate-boca com o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que depois do arranca-rabo marchou para um acordo das terras raras cedidas e concedidas aos Estados Unidos, em troca de drones e foguetes.
O caso do Brasil também foi complicado. Trump sofreu imprevistos: a escada rolante do edifício-sede da ONU deixou de funcionar, o que ele rapidamente classificou como sabotagem. E muito mais incômodo: ocorreu a falha do seu teleprompter, uma verdadeira tragédia para quem precisa discursar. Ele aproveitou essa pausa forçada e usou seu tempo para relatar o encontro de 38 segundos com o nosso Presidente Lula. Trump disse ter gostado da conversa e revelou que “rolou uma química” entre eles. Mais tarde, Lula, por sua vez, confessou que também sentiu a mesma “química”.
Segundo a definição do Houaiss, química é o “estudo científico da constituição da matéria, suas propriedades, transformações e as leis que as regem”. Mas não é essa a que rolou entre ambos: foi a “química” da linguagem popular, do surgimento de um clique entre pessoas, difícil de explicar racionalmente, mas sentido de forma intensa. É como se houvesse uma reação espontânea de afinidade, simpatia ou desejo.
Ora, analisando o encontro, afinidade é impossível, os dois frequentam polos opostos: um à esquerda, outro à direita. Então não foi “atração imediata, reação espontânea de afinidade”, pois impossível. A química que rolou, assim, pode estar na área da simpatia e do desejo: simpatia que os dois confessaram sentir um pelo outro e desejo de paz — o que é muito bom para o Brasil e para os Estados Unidos.
Realmente, essa taxa de 50% sobre os nossos produtos foi uma taxa política, e não econômica — a meu ver ligada aos BRICS, à posição firme do nosso Lula em favor de uma moeda para substituir o dólar nas negociações. No mais foi a retórica de que o Brasil deve se aliar mais aos americanos, e nada de chineses.
Ora, nossa política externa tem relação estreita com os Estados Unidos há mais de 200 anos. Foram eles o primeiro país a reconhecer nossa independência, estivemos juntos em duas guerras, enviamos tropas para lutar ao lado deles, deixando sangue de brasileiros em Pistoia, na Itália, com a derrota do Eixo Itália/Alemanha, de Hitler e Mussolini.
A aliança entre Brasil e Estados Unidos foi fundamental para o triunfo dos Aliados na Segunda Guerra. No Nordeste brasileiro foi instalada a base aérea de Parnamirim Field, conhecida como “Trampolim da Vitória”, que foi crucial para a logística militar americana.
Essa aliança se estendeu e aprofundou ao longo dos anos, fortalecendo nossas relações culturais, comerciais e científicas, o que impulsionou grande fluxo de intercâmbios culturais e acadêmicos.
Para concluir, Lula confessou que, após a conversa com Trump, recebeu dele convite para um encontro, o que será, segundo nosso Presidente, um encontro para “o diálogo” pois “há muito o que conversar”, “somos dois homens de oitenta anos”. Vamos ver se depois dessa “química”, eles vão “ficar” — como dizem os moços.
Em relação à Rússia a coisa é mais violenta e envolve um fato muito sério: os dois lados possuem armas nucleares. Um confronto entre esses dois países seria o fim da humanidade, com toda a população do mundo sendo vítima da radiação, como aconteceu com Hiroshima e Nagasaki. Trump disse que a Rússia é um “tigre de papel”, e a Rússia respondeu “Somos um urso verdadeiro”. Aqui espero ter rolado simpatia e desejo. Simpatia como proposta de amizade e desejo como vontade de dialogar, aparar arestas e encontrar um terreno comum para um acordo.
O discurso do Lula nas Nações Unidas foi impecável. A diplomacia brasileira funcionou bem, conduzida pelo nosso Ministro Mauro Vieira. Nosso Presidente brilhou, foi uma excelente presença na tribuna e marcou um gol de placa. Nota 10.
De mais a mais, vamos superar as agressões. Que o mundo seja de beijos e os tapas sejam sepultados e esquecidos.
José Sarney, ex-presidente