A frase que dá título a este artigo é o nome de um espetáculo teatral da vida real que Ana Portillo realiza em auditórios de hospitais pelo Brasil e diante de pacientes acamados ou próximos do “último respiro”. Ela tem tudo a ver comigo e com você também. E me fez cair na gargalhada diante do impacto que me provocou: convivendo com duas doenças raras, graves e incuráveis, sendo uma delas um câncer, estou viva e contrariando todos os prognósticos que a medicina já me deu. O primeiro deles foi de apenas seis meses de vida. Já estou vivinha da silva há quatro anos, saboreando um dia de cada vez — sejam eles bons ou ruins — com toda a intensidade que o tempo e as experiências me proporcionam.
Recentemente, recebi um convite para mediar um encontro virtual de pacientes em cuidados paliativos, cuja palestra seria apresentada por Ana Portillo, uma profissional de saúde diferenciada que construiu um projeto chamado “Descoisando” para abordar temas tabus como morte e cuidados de fim de vida. Surpreendi-me quando abri o e-mail com o convite e aquela frase saltou diante dos meus olhos: “tô morrendo… e quem não está?!”. Pensei, a princípio, que poderia ser um pedido de ajuda. Não era. Caí na risada e contagiei meu marido, que estava ao meu lado. Rimos os dois até a barriga doer, como duas crianças diante de uma piada das grandes.
Depois desse episódio engraçado e da apresentação teatral de Ana Portillo — que mediei para os pacientes da Casa Lavanda, a maior plataforma digital sem fins lucrativos que reúne pacientes, cuidadores e profissionais de saúde paliativistas —, vieram à minha mente várias inquietações que costumo compartilhar apenas com pessoas que vivenciam o dia a dia do adoecimento.
Por que é tão difícil abrir conversas francas sobre morte, conviver com câncer e outras doenças graves? Por que parece constrangedor falar ao público em geral sobre cuidados paliativos e diretivas antecipadas de vontade — documentos nos quais uma pessoa expressa quais cuidados de saúde deseja ou não receber quando estiver em estágio terminal, por exemplo? Por que falar sobre isso em primeira pessoa provoca, na maioria dos ouvintes, um olhar triste, uma sensação de medo, pena e até de desespero? O mais frequente é mudar o rumo da conversa; afinal, o senso comum diz que falar sobre morte e doença “atrai”. Mas penso que tais reações dizem mais sobre quem escuta do que sobre quem fala. Digo isso por experiência própria.
Será que as pessoas que não têm doenças graves e fogem desses temas estão certas ou erradas? Nem uma coisa nem outra. Falar sobre isso ainda é tabu porque somos fruto de uma sociedade ocidental baseada em valores como “você deve ser sempre o melhor”, “você deve trabalhar para construir muitos bens, ganhar muito dinheiro e desprezar outros valores”, “você deve ser um super-homem ou a mulher-maravilha e dar conta de tudo e de todos”, “você deve estar focado nas coisas que realmente importam”.
Tenho certeza de que já ouviu ou vivenciou a frase: “Você deve trabalhar muito, esperar a aposentadoria chegar ou os filhos crescerem para, finalmente, viajar o mundo ou descansar”. Resumindo: o individualismo extremado e o foco exclusivo no futuro — esquecendo que a vida é aqui e agora — nos impedem de aproveitar o momento, sejam eles bons ou ruins, com plenitude e consciência.
Todos temos fases, vivemos um ciclo de nascer, viver e morrer. Somos tão natureza quanto as estações do ano, cada uma com suas características e momentos. Estamos tão vivos quanto aquela folha que, neste outono europeu, balança ao vento na árvore que você observa da janela. Ela está plena, de um verde vívido, mas, em poucos dias ou minutos, vai escurecer — algo entre o vermelho e o marrom —, desprender-se do galho, dançar com o vento até cair no chão e nutrirá a terra que todos nós pisamos e que, agora, nos abriga. Todas essas fases — da folha e da nossa vida — são lindas e, por serem reais, podem ser alegres e dolorosas ao mesmo tempo.
Sim: tô morrendo, porque tenho duas doenças graves. Mas quem não tem doença alguma também vai morrer — seja de câncer, de susto, de acidente. O ciclo vai se encerrar para todo mundo, em algum momento. Então, por que ficar tão desconfortável e evitar falar sobre morte e cuidados paliativos? Por que esperar para aproveitar e ser feliz somente amanhã, se o presente é a única coisa concreta que temos?
Amigo, amiga, bora viver! Só morre quem está vivo. Faça a vida valer a pena, lutando não apenas para sobreviver, mas para ser o melhor ser humano possível e beneficiar, com suas ações, a si mesmo e aos outros. Tá todo mundo junto e misturado nessa jornada. E, quando finalmente morrermos, vamos rir muito da piada da palhaça paliativista que eu conheci e dizer: valeu a pena viver!
(Transcrito do PÚBLICO-Brasil)