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Um ponto de inflexão (por Antônio Carlos de Medeiros)

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Um ponto de inflexão (por Antônio Carlos de Medeiros)

A política brasileira vive um raro momento histórico de ponto de inflexão à vista.

Uma movimentação estrutural do pêndulo político, na direção da moderação. Mas não apenas isto.

No percurso do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos integrantes do núcleo do planejamento do golpe de Estado, foi possível enxergar o prenúncio de formação de um novo zeitgeist.

Uma nova era na política brasileira. Mais do que apenas a mudança de direção do pêndulo político.

O STF condenou Jair Bolsonaro e 7 réus por tentar atentar contra a democracia. O país poderá deixar para trás o pior da polarização ideológica, raivosa e baseada em narrativas com realidades paralelas.

Me refiro ao prenúncio de um ponto de inflexão no próprio espírito de época consolidado a partir das manifestações de 2013 no Brasil. Que resultaram em uma década de profunda turbulência política, ainda recorrente.

Os brasileiros estão cansados. E não têm a percepção de entregas do Estado. Muito menos sensação de bem-estar.

Há um novo espírito de época em conformação. Com traços políticos, sociais, econômicos e culturais já nítidos e relevantes.

A rejeição do populismo. A moderação. O empreendedorismo. O espírito capitalista. A ética protestante. A cosmovisão social liberal. A fé na igreja católica. A fé nas igrejas evangélicas.

Da guerra ideológica com polarização e anomia social para uma provável porta de saída do populismo.

Para além da polarização retórica de narrativas.

A polarização é retórica. Mas as razões de votos são pragmáticas e moderadas pelo déficit de resultados que impulsiona a busca pelo caminho do meio e pela gestão não ideologizada.

É grande a opção pelo voto “nem nem”. Na eventual falta de alternativas, é provável o aumento da alienação eleitoral (brancos, nulos e abstenções).

A despeito da pressão crescente do ambiente de raiva, dicotomia e polarização das redes sociais.

Que poderá aumentar o volume dos decibéis no pós-julgamento de Jair Bolsonaro. A pressão bolsonarista nas redes sociais para apelar pela anistia ou pela reversão da inelegibilidade.

Tudo somado, é crescente na sociedade e em todo o espectro político um consenso sobre o imperativo de restauração do Estado.

Entendendo-se restauração como a busca pelo equilíbrio institucional e político entre os três poderes. E, ao mesmo tempo, como a necessidade de buscar a superação das fragilidades econômicas do Brasil.

Além da turbulência política, o país convive há décadas com baixo crescimento e com problemas que não foram resolvidos. Entra governo e sai governo e eles permanecem. São muitos.

Violência urbana. Educação precária. Filas na saúde. Esgoto a céu aberto. Insegurança alimentar. Judiciário lento. Alta carga tributária. Crise fiscal. Estado inchado.

Todos recorrentes.

Com esta carga interminável de problemas, tudo que o país precisa e quer á a pacificação política. Com democracia. 74% dos brasileiros acreditam que a democracia é sempre melhor do que outras formas de governo, segundo Pesquisa Datafolha de agosto.

Só a pacificação política permitirá ao Brasil passar democraticamente pelas eleições de 2026 e desaguar em 2027 com possibilidade de conciliação nacional e consenso para governar, para além do populismo.

Gestão, gestão e gestão. Entregas, entregas e entregas. É isto que o país precisa. É isto que a sociedade quer.

Felipe Nunes constata:

-“Vivemos uma crise marcada por um gap de expectativas: espera-se que o Estado entregue serviços, representatividade e estabilidade, mas há um déficit de resultados”.

Para buscar o que a sociedade quer, o pressuposto é a pacificação política, para os políticos terem coragem de defender e fazer as reformas necessárias.

Sem reformas não haverá avanço.

A reforma administrativa abrangente, para melhorar a governança e a governabilidade. A reforma do judiciário, para conter a politização do judiciário. A reforma do Congresso, para conter o clientelismo das emendas e atribuir responsabilidades aos congressistas – com novo sistema eleitoral e com o semipresidencialismo.

Um ciclo reformista, que já começou com a reforma administrativa e deveria adentrar um novo governo, em 2027, como uma Agenda de Estado.

Lidar com este rol de problemas é possível. O Brasil já fez reformas com sucesso nas Eras FHC e Lula 1 e 2.

O pré-requisito é a superação do populismo e da polarização ideológica.

Muitos de nossos políticos e empresários já perceberam os sintomas de um novo zeitgeist em formação.

Até o prestigioso The Economist analisou o momento político brasileiro e concluiu cirurgicamente:

– “A polarização intensa dificultou a aprovação de reformas. A saída de Bolsonaro da vida pública pode dar ao país a chance de enfrentar esses problemas. Será preciso ousadia, visão e compromisso. Mas políticos de ambos os lados parecem dispostos a tentar”.

 

 *Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.

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