A corrida eleitoral do pleito de 2026 já começou. Os potenciais candidatos ajustam discurso e ação de modo a conquistar o voto dos eleitores. Por sua vez, o voto, elemento constitutivo da cidadania e um mecanismo essencial ao funcionamento da democracia representativa, é uma escolha que opera consequências concretas na vida das pessoas.
No entanto, cabe ressaltar que o voto não assegura a melhor ou a mais qualificada opção: sua maior virtude consiste em fixar prazos para o exercício dos mandatos e promover a alternância pacífica do poder. É, pois, um método, assim como é o sorteio cujas origens remontam a democracia ateniense para definir os ocupantes de funções públicas.
Atualmente, a “democracia aleatória” tem sido objeto de discussão não somente no campo teórico, mas também como alternativa real ao modelo da democracia liberal que vive um momento crítico diante dos desafios das transformações estruturais na sociedade contemporânea.
Neste sentido, dois autores, o expoente da escola liberal austríaca, Nobel de economia em 1974, Friedrich Hayek (1899-1992) e o filósofo australiano John Burnheim (1927-2023), embora com diferenças conceituais, coincidem em propor uma “demarquia”, concepção que tenta superar os problemas funcionais da democracia liberal representativa.
Importante a tomada de consciência e o constante esforço no sentido de aperfeiçoar o sistema político. Por enquanto, vale utilizar da melhor forma os meios consagrados pelo nosso Estado Democrático de Direito, entre eles, o poder e o dever de votar.
Nos tempos atuais há um critério fundamental para a escolha: o compromisso dos candidatos com a ética pública. Sem histeria moralista. Mas com toda atenção voltada para um ambiente contaminado pela mais grave forma de delinquência: a invasão do crime organizado e digitalizado em todas as esferas da sociedade, inclusive a esfera política.
A propósito, me veio à lembrança artigo de minha autoria do qual tomei emprestado o título (publicado em 14/02/08, JC), nos 400 anos do nascimento do Padre Antonio Vieira (1608-1697), atualíssimo na pregação do Sermão do Bom Ladrão:
“[…] Como o mais racionalista dos cristãos e o mais cristão dos racionalistas, é possível extrair de Vieira reflexões de grande serventia e atualidade para os políticos e, sobretudo, para os governantes.
Neste sentido, tome-se como exemplo o Sermão do Bom Ladrão, ano de 1655 que começa por dizer que ‘Este Sermão que hoje se prega na Misericórdia de Lisboa, e não se prega na Capela Real, parecia-me a mim, que lá se havia de pregar e não aqui […] ‘Nem o Reis podem ir ao Paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os Reis. Isto é o que hei do pregar’.
E quem são os verdadeiros ladrões? Citando São Basílio Magno, afirma Vieira: ‘Os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os Reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das Províncias, ou a administração das Cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam Cidades e Reinos: os outros roubam debaixo dos seus riscos, estes sem temor, nem perigo; outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam. Lá vão os ladrões grandes enforcar os pequenos’.
Sobre os que furtam a partir do ofício: ‘Uma vez porque furta o ofício, e outra vez pelo há de furtar com ele. O que entra pela porta poderá vir a ser ladrão, mas os que não entram por ela já o são. Uns entram pelo parentesco, outros pela amizade, outros pela valia, outros pelo suborno, e todos pela negociação (…) pois se eles furtam com os ofícios, como não hão de levar consigo ao inferno os que os consentem? (…) De maneira que em vez de o ladrão restituir o que furtou no ofício, restitui-se o ladrão ao ofício, para que furte mais!’.
Recorre a Isaías para definir os príncipes infiéis e companheiros de ladrões: ‘Os teus Príncipes são companheiros dos ladrões. E por quê? São companheiros de ladrões porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões porque os consentem; são companheiros de ladrões porque lhes dão postos e os poderes; são companheiros dos ladrões porque talvez os defendem; e são finalmente seus companheiros porque os acompanham e hão de acompanhar ao inferno onde os mesmos ladrões os levam consigo’”.
O texto de Vieira valoriza a conhecida advertência segundo a qual “Não é a política que faz o candidato virar ladrão; é o voto que faz o ladrão virar político”.
Gustavo Krause foi ministro da Fazenda