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    Acusada por Erika Hilton vira ré ao postar sobre Simone de Beauvoir

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    Uma ativista paraibana foi denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF) e se tornou ré na Justiça Federal ao postar um vídeo sobre a filósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986). Em outra postagem, afirmou que mulheres trans não seriam mulheres. A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que é uma mulher trans, consta como vítima no processo – mesmo sem ser mencionada nas publicações.

    Desde julho deste ano, Hilton é também “assistente de acusação” no processo. O pedido da defesa dela foi aceito pelo procurador da República responsável pela denúncia, José Godoy Bezerra de Souza, da Paraíba. Se condenada, a pena pode chegar a cinco anos de prisão.

    As postagens são do fim de 2020, no antigo Twitter (hoje X). Numa delas, a ativista diz que “mulheres trans não são mulheres” e critica o movimento trans. A pedido de uma amiga da ré, a coluna decidiu omitir o nome da ativista – ela tem enfrentado problemas de saúde mental recentemente.

    “A gente fala que mulheres trans não são mulheres (pq obviamente nasceram do sexo masculino) e os transativistas falam que feministas radicais não são gente, não são seres humanos. Imagina acreditar num feminismo que desumaniza mulheres?”, diz a postagem.

    A outra publicação consiste em um vídeo com uma fala da professora emérita da Universidade de Sidney, Bronwyn Winter, sobre Simone de Beauvoir. “Uma pessoa que se identifica como transgênera mantém seu DNA de nascimento. Nenhuma cirurgia, hormônio sintético ou troca de roupa vai mudar esse fato”, diz ela.

    A denúncia contra a ativista foi apresentada em fevereiro deste ano pelo procurador da República José Godoy Bezerra de Souza.

    “Em uma de suas postagens anteriormente citadas, aduziu que ‘mulheres trans não são mulheres porque obviamente nasceram do sexo masculino’. Tal teor evidencia a discriminação por parte da acusada, uma vez que utilizou a compreensão biológica como subterfúgio para proferir seu preconceito”, escreveu ele.

    “Ao compartilhar na rede mundial de internet esse viés, reforça uma linha de pensamento transfóbica que sugere a visualização da comunidade LGBTQIA+ e seus membros como algo pejorativo e inferior. Essa visão perpetua preconceitos e discriminação, ignorando as barreiras sistêmicas e históricas que a comunidade enfrenta”, argumentou o procurador.

    A denúncia foi aceita pouco depois, em 29 de abril de 2025, pelo juiz federal Manuel Maia de Vasconcelos Neto, de João Pessoa (PB), tornando a ativista ré. Equiparado ao crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o crime de homofobia é inafiançável.

    No dia 9 de setembro deste ano, o advogado da ativista, Adailton Raulino Vicente da Silva, apresentou resposta à denúncia do MPF. Segundo ele, as publicações “não contêm qualquer conteúdo ofensivo ou discriminatório”.

    As postagens “não se dirigem às pessoas LGBTQIA+ com o intuito de inferiorizá-las, hostilizá-las ou incitar o preconceito, mas sim expressar opiniões ou observações genéricas, dentro do limite da liberdade de expressão”.

    “De fato, é amplamente reconhecido pela biologia e pela medicina que a composição genética de uma pessoa (DNA) não se altera por meio de intervenções hormonais, cirurgias ou mudança na expressão de gênero. Isso não é uma opinião preconceituosa, mas um dado objetivo da biologia”, escreveu o defensor.

    Sobre o inquérito da PF, Erika Hilton disse à coluna não ter tido acesso aos autos.

    “Não temos acesso aos autos, portanto não sabemos do que se trata. Mas possivelmente é alguma investigação de crime de transfobia que a PF pode ter aberto de ofício por ser crime de ação penal pública incondicionada que pode levar a uma pena de prisão de até 5 anos”, disse ela.

    A coluna também perguntou sobre o processo, mas não houve resposta. O espaço segue aberto.

    Ativista foi indiciada junto com Isabella Cêpa; Erika Hilton figura como vítima

    No mesmo inquérito contra a ativista feminista, a Polícia Federal também indiciou Isabella Alves Cêpa, que vive atualmente fora do país, com status de refugiada. O caso de Isabella, no entanto, terminou arquivado – ela foi incluída no inquérito por retuitar as postagens da ativista.

    Recentemente, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou o pedido de reconsideração de Erika Hilton no processo contra Isabella Cêpa e arquivou definitivamente o caso.

    Isabella Cêpa diz ter sido intimada para depor pela PF, mas a corporação deixou de enviar-lhe o link. Ela afirma também que pediu acesso ao inquérito diversas vezes, sem sucesso. A coluna procurou a PF a respeito, mas não houve resposta até o momento.

    “Por meio de um processo relacionado, iniciado por Erika Hilton contra outra feminista – que não tramita em segredo de justiça –, tomei conhecimento de que fui novamente indiciada, sem nunca ter sido ouvida e pelas mesmas publicações que já haviam sido objeto de um processo anterior”, disse Isabella Cêpa.