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    Amazônia invadida: tucunarés exigem passaporte! (por Roberto Caminha)

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    Durante mais de quinhentos e vinte e cinco anos, os estrangeiros que “descobriam” a Amazônia vinham atrás de tudo — menos de peixe. Uns queriam ouro, outros queriam borracha, outros queriam o direito de dizer que o Rio Negro era mar e muitos vinham buscar os nossos curumins, para escraviza-los, até o Ajuricaba se emputecer e botar pra quebrar. Hoje, a história se inverteu: as novas caravelas chegam de Boeing, de cruzeiro, de van turística e até de Honda, guiadas por GPS e não por bússolas de Cabral. São as novas invasões amazônicas — e, pasmem, essas são as mais benéficas dos últimos 525 anos.

    Desta vez, os conquistadores não trazem espingardas, cruzes ou bandeiras. Trazem varas de carbono, anzóis fotogênicos e celulares com câmera 8K. Chegam de todos os cantos do planeta — do Japão, do Canadá, da Itália, da Noruega, dos Estados Unidos — e desembarcam nos portos de Manaus, Barcelos, Tefé e Santarém com uma reverência quase religiosa ao tucunaré, esse gladiador de escamas que faz gringo chorar de emoção (e de cansaço no braço). À noite, o gringo só quer a sua bebidinha espirituosa, sua garrafinha de água mineral e o seu angelical ar-condicionado em torno de vinte graus Celsius. É o Céu que americanos, chineses, palestinos e judeus querem e chamam de paz celestial. Essa Paz que o Lourão está querendo, os tucunarés entregam.

    Esses novos invasores não tomam nada da floresta. Levam apenas lembranças e devolvem dólares, para consertar as gengivas dos nossos peixes. São pescadores esportivos, turistas ecológicos e aventureiros que transformam cada rio em um estúdio natural, cada pôr do sol em um filme de amor e cada tambaqui frito em uma experiência pra lá de sexual.

    A diferença é brutal: os antigos levavam o pau-brasil; esses deixam gorjeta em dólar e muitos empregos para os moradores dos barrancos. Antes levavam o ouro; agora deixam as notas verdes, mas das boas — as que movimentam hotéis, pousadas, restaurantes e guias locais. São bilhões de acenos de saudade, como se cada turista voltasse pra casa com um pedacinho de Manaus, Belém, Macapá, Rio Branco, Porto Velho e Boa Vista no coração e o desejo de dizer em português esforçado: “Até o ano que vem!”.

    E quando eles dizem isso — “até o ano que…” —, o ribeirinho já sabe: lá vem mais trabalho, mais passeio, mais economia pulsando nos igarapés.

    Porque cada pescador gringo que volta, significa emprego pra cozinheira, pro piloteiro, pro guia, pro rapaz que ajeita o motor do barco, pro fotógrafo que ajeita e vende a imagem do tucunaré saltando no ar. É o arrojado capitalismo da selva em sua forma mais poética: o peixe volta pro rio, e o dinheiro fica na margem, no barranco.

    A cena é digna de cinema: o gringo, de chapéu estilo Indiana Jones, sorri com o peixe na mão e o suor escorrendo no rosto. Atrás dele, o piloto do barco, um caboclo de sorriso largo, pensa alto: “Esse aí vai chorar quando souber que o pirarucu escapou de novo”. E chora mesmo, mas de alegria. Porque aqui o peixe é rei, e o visitante, súdito. O gringo que tem a sorte de fisgar um Bodeco, pirarucu de cinquenta centímetros, filhote, jamais esquecerá. É um escolhido pelo Céu e pelo Dono dele.

    Em tempos de discursos inflamados sobre “Soberania da Amazônia”, é bom lembrar: essas novas invasões não destroem, elas regeneram.

    Elas trazem câmeras, não motosserras; deixam lembranças, não crateras de mata. E a floresta, sabida como é, em pé, agradece. Cada clique de um tucunaré saltando é um voto silencioso pela preservação.

    E que ironia deliciosa: o que o Brasil não soube vender em política ambiental, o ribeirinho está vendendo em puríssima emoção. Um tucunaré de dez quilos vale mais, em prestígio ecológico e em dólar, do que uma tora de virola, aguano, cedro, macacaúba ou uma madeira contrabandeada e cheia de um pó branco e muito bem escondido.

    O turismo de pesca esportiva virou a melhor tradução de “viver da floresta sem destruí-la”.

    Por isso, quando o avião decola de volta pra Miami, Tóquio ou Milão, levando gringos bronzeados, apaixonados e saudosos, fica a sensação de que o Brasil — esse país que se especializou em chutar o bum bum das oportunidades —, dessa vez fisgou a chance certa. E fisgou sem precisar arrancar o peixe da água.

    Que venham mais invasões! Se forem todas assim, com dólares nas malas e respeito pelas nossas coisas, estampada nos olhos, podem ancorar e se servir com toda a vontade desse nosso mundo verde.

    A Amazônia, finalmente, encontrou um tipo de colonizador que não rouba — apenas se encanta… pagando bem e sempre.

    E quando o gringo, lá de longe, disser “até o ano que vem, Curumim!”,
    nós, com o coração, a barriga e o bolso aquecidos, responderemos, sorrindo:
    — Pode vir, Gente Boa! O tucunaré está te esperando… o tambaqui e os bodecos… também.

     

    Roberto Caminha Filho, economista, satisfez-se, dentro do Boeing, com a alegria de 200 pescadores, de todos os continentes, nos invadindo.