O pilar básico do federalismo fiscal brasileiro é a partilha de rendas públicas, que coexiste com uma claudicante divisão de competências entre os entes federativos.
A partilha de rendas, todavia, está assentada em critérios ultrapassados e, em alguns casos, inconstitucionais. Fixo-me em uma delas: o Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Parte integrante da reforma tributária de 1967, o FPE representou um marco no federalismo fiscal ao institucionalizar a transferência de rendas da União para os Estados e Municípios segundo critérios objetivos e como parcela da arrecadação de tributos federais.
Esses critérios foram preservados até a edição da Lei Complementar (LC) nº 62, em 1989, que, em caráter supostamente provisório, estabeleceu coeficientes fixos de rateio, em desacordo com a determinação constitucional que vincula a partilha do FPE à promoção do equilíbrio socioeconômico entre os Estados.
Essa inconstitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010. Para permitir ao Congresso estabelecer nova legislação que afastasse os vícios de inconstitucionalidade, os efeitos da decisão foram modulados para o final de 2012.
Comissão de especialistas, instituída pelo Senado em 2012, elaborou anteprojeto de lei que atendia aos pressupostos fixados pelo STF, com prazo razoável de transição. O anteprojeto, todavia, não prosperou. Tampouco, o Congresso buscou alternativa à proposta.
Em janeiro de 2013, o STF dilatou o prazo original por 150 dias. Outra vez, o Congresso fez pouco caso da decisão. Somente, em julho de 2013 veio a ser aprovada uma nova legislação (LC nº 143).
No entanto, em 2023, o STF entendeu que os novos critérios também eram inconstitucionais, modulando os efeitos dessa decisão para o final deste ano. A LC nº 143, a rigor, nada mais era do que uma forma dissimulada de manter os coeficientes fixos, pois envolvia uma transição que se encerraria inacreditavelmente em 2280!
Estamos no último trimestre do ano. Desconheço a existência de projetos para reparar essa inconstitucionalidade – aliás, também aplicável ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A matéria, sequer, é objeto de especulações.
Mais grave. O FPE responderá por 70% dos coeficientes de participação individual dos Estados no Fundo de Desenvolvimento Regional, instituído pela reforma tributária do consumo, com previsão de desembolsos, até 2043, de R$ 630 bilhões.
Esses fatos remetem a título de obra de Luigi Pirandello: não é uma coisa séria.