Já haviam me dito: vai no ChatGPT, ele pode te ajudar muito. Por certo orgulho e muita desconfiança, por um bom tempo resisti à ideia. Até que, encalacrada em muitas dúvidas nas pesquisas que venho fazendo, procurei a IA que tantos dizem que pode superar a inteligência humana e agir por si própria, e que pode até mesmo destruir o mundo.
Perguntei à IA onde tinha nascido Magdala Ribeiro da Costa, irmã caçula do arquiteto Lucio Costa. A resposta foi delirante: Magdala
nasceu e foi criada em Diamantina, assim como seu irmão. O erro foi tão grotesco que eu nem sabia como reagir.
Resolvi “conversar” com a dita Inteligência Artificial. Apontei o erro, ao que recebi a seguinte resposta: “Trata-se de uma alucinação factual [em negrito, no original]: o modelo gratuito afirmou um local sem suporte documental”.
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A alucinação foi ainda mais longe: Lucio Costa seria filho de Edmond ou Edmund Costa. Querendo ver até onde ia a IA maluca, novamente acusei o erro. Veio a correção: “O pai não era Edmond ou Edmund, mas Luciano Costa, engenheiro militar do Exército brasileiro”.
O pai de Lucio Costa chamava-se Joaquim Ribeiro da Costa e era engenheiro naval da Marinha brasileira. Magdala nasceu no Rio de Janeiro e Lucio Costa, em Toulon, na França.
Nenhum deles morou em Diamantina. A IA continuava alucinando geral. Tentei entender de onde vinha tanta insanidade. A do Edmond ou Luciano não consegui decifrar, mas a de Diamantina era fácil. Numa mistura aloprada, a IA capturou a palavra Diamantina que é muito associada a Lucio Costa.
A histórica cidade mineira foi fundamental para que o arquiteto conhecesse a verdadeira arquitetura colonial brasileira, mais antiga e desprovida dos adornos e maneirismos futuros, e a partir daí começasse a pensar numa arquitetura moderna brasileira.
Diamantina é uma tag que leva a Lucio Costa, inevitavelmente, e vice-versa. Mas era pouco, devia haver mais coisa por trás desses erros tresloucados. Há dias, eu vinha usando a IA para localizar arquivos nos quais eu pudesse procurar o que buscava.
Até que o GPT me avisou que eu já tinha usado todo meu crédito gratuito e me deu duas alternativas: ou eu esperava até poder ter acesso novamente ao serviço free ou assinava o serviço pago. Segui insistindo no gratuito. Foi quando apareceram as respostas alucinadas.
Por último, o ChatGPT argumentou, em sua própria defesa, que a versão assinada do serviço de inteligência artificial tem “melhor checagem de consistência” e “menos propensão a “inventar” respostas quando faltam informações”.
Não podia ficar mais claro: o projeto é ganhar muito dinheiro nos fazendo de trouxas. A dona do ChatGPT, a OpenAI, já é a empresa de capital fechado mais valiosa do mundo.
Concluí, aqui na minha bolha de biógrafa, que o ChatGPT é mais um braço do capitalismo tecnológico, um braço muito perigoso. Ele cria a necessidade – é um buscador rápido e eficiente de arquivos, um “ajuntador de coisas”, como diz uma amiga – para depois cobrar pelo serviço. E espalha a ilusão de que é ou pode vir a ser um deus mitológico digital.
Minha acachapante experiência com a IA só confirma o que disse o notável cientista brasileiro Miguel Nicolelis em podcast à ONU News: “O meu receio maior não é a inteligência artificial criar a superinteligência. E acho que isso é só hype comercial que alguns empreendedores usam para aumentar a valorização das suas empresas sem fundamento científico nenhum. O meu grande receio [é que] o cérebro humano é um grande camaleão e ele se adapta a toda sorte de contextos e circunstâncias que o mundo lhe oferece para sobreviver. Se o nosso mundo se
transformar todo aqui fora e viver sob a lógica digital, o cérebro humano vai se adaptar a ele. Então nós vamos reduzir a nossa capacidade
cognitiva, intelectual e inteligência ao nível dos sistemas digitais. É por isso que eu posso dizer que estamos caminhando para criar milhões de
zumbis digitais”.
Por último, de pirraça, pedi ao ChatGPT uma imagem que ilustrasse a expressão “alucinação factual”. Ele fez algumas sugestões, entre elas
“uma paisagem surreal com elementos deslocados da realidade”. Escolhi, para ilustrar essa crônica, uma obra de arte do mais amalucado dos surrealistas, Salvador Dali.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.