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    “Brics não nasceu para afrontar ninguém”, diz Lula na Malásia

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    Kuala Lumpur – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta segunda-feira (27/10), na abertura da 47ª Cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), em Kuala Lumpur, na Malásia, que o bloco dos Brics “não nasceu para afrontar ninguém”.

    “O Brics, que tem a honra de contar com países da região entre seus membros e parceiros, é um veículo para uma governança global mais representativa. O Brics não nasceu para afrontar ninguém”, ressaltou Lula.

    Em discurso, o petista destacou a aproximação entre o sudeste asiático e o Brasil, e disse que conta com o apoio da Ásia do Leste para fortalecer as respostas multilaterias à mudança do clima, em referência ao início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) – que será realizada entre 10 e 21 de novembro, em Belém (PA).

    O chefe do Executivo brasileiro também enfatizou que “os mares que nos circundam não podem se tornar palco de violações do direito internacional”.

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    Nos últimos meses, os Estados Unidos vêm promovendo presença militar no mar do Caribe, próximo à Venezuela. A justificativa do governo norte-americano é conter o fluxo de drogas que entram no país. As tensões se intensificaram após Donald Trump sugerir que poderia iniciar uma ofensiva terrestre no território venezuelano.

    Em encontro com o presidente norte-americano nesse domingo (26/10), Lula se dipôs a mediar o conflito entre os dois países.

    Segundo o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, o republicano agradeceu o gesto e concordou com a intermediação.

    Leia o discurso na íntegra:

    Quero agradecer à Malásia pela oportunidade de me dirigir aos líderes da Ásia do Leste. Ao criar este foro, a Asean fez da Ásia do Leste mais do que uma área no mapa. Ela reconheceu uma nova realidade geoeconômica e geopolítica global e se posicionou no seu centro. Não é novidade dizer que o eixo dinâmico do mundo se deslocou para a Ásia. Nove dos 10 maiores portos marítimos do mundo estão na região. A região abriga 60% da população mundial. 

    O princípio da centralidade da Asean, que o Brasil respeita e apoia, é fator de equilíbrio nas transformações que o mundo atravessa. A adesão de Timor Leste, nosso país irmão, que saudamos com alegria, fortalece os elos entre nós. Somos países biodiversos, com culturas plurais, histórias entrelaçadas e desafios comuns.

    Partilhamos a convicção de que um mundo multipolar é mais propício à paz do que um planeta dividido por rivalidades estratégicas. Consideramos a cooperação um caminho mais promissor para a prosperidade do que a competição. Os mares que nos circundam não podem se tornar palco de violações do direito internacional. Os minerais estratégicos que possuímos não devem enriquecer outras nações às custas do nosso desenvolvimento.

    A Asean e o Brasil são antípodas na geografia, mas não em sua visão de mundo. Estamos lado a lado em favor de uma ordem internacional justa, regidas por regras acordadas coletivamente e aplicáveis a todos. A aproximação entre o sudeste asiático e o Brasil, de leste a oeste, é crucial para a defesa do multilateralismo. Não por acaso, as duas ideias que inspiram a presidência malásia da Asean – inclusividade e sustentabilidade – são as mesmas que guiaram as presidências brasileiras do G20 e do Brics. 

    O Brics, que tem a honra de contar com países da região entre seus membros e parceiros, é um veículo para uma governança global mais representativa. O Brics não nasceu para afrontar ninguém. Neste ano, alcançamos posições comuns em favor do tratamento multilateral da inteligência artificial, da ampliação do financiamento climático e da eliminação de doenças socialmente determinadas. Lutar pela reforma das instituições multilaterais não nos impede de construir soluções próprias. O Novo Banco de Desenvolvimento tem suprido as lacunas deixadas pelas instituições de Bretton Woods.

    O fortalecimento do comércio intra-Brics ocupa o vácuo aberto por medidas unilaterais e pelo esvaziamento da OMC. Alinhamentos automáticos e situações de dependência são armadilhas das quais o Sul Global precisa escapar. Diversificar relações é sinônimo de autonomia.  Em um cenário de instabilidade, nossa proteção mais efetiva é expandir o leque de países com quem mantemos diálogo e fazemos negócios. A aproximação entre a Asean e o Mercosul tem potencial para integrar as cadeias produtivas de duas regiões de grande complementaridade econômica. 

    Senhoras e senhores, dentro de poucos dias, a Amazônia será o centro do planeta. A COP30 será a COP da verdade. Quando os líderes mundiais se reunirem em Belém, não poderão negar os fatos. Mesmo com as novas Contribuições Nacionalmente Determinadas, ainda caminhamos para um aumento de temperatura superior a dois graus. Não é hora de abandonar o Acordo de Paris. Sem ele, perderemos nossa bússola. É impossível falar de resiliência econômica em meio a uma crise climática. Cada grau adicional na temperatura média global representará perdas significativas no PIB mundial. Não se trata de um simples número. Trata-se de milhões de pessoas que serão empurradas para a fome e a pobreza. 

    É lamentável que a adoção do Marco de Emissões Zero da Organização Marítima Internacional tenha sido adiada. A transição energética é irreversível.  Ela representa não apenas um imperativo climático, mas uma oportunidade econômica. O Brasil vai lançar duas iniciativas que reconhecem esse potencial. A primeira é a Declaração para Quadruplicar o uso de Combustíveis Sustentáveis até 2035, com medidas para acelerar a transição para longe dos combustíveis fósseis. A crescente produção de bioenergia no sudeste asiático torna a região um aliado natural nesse esforço.   

    A segunda é o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (o TFFF), que vai beneficiar as nações da Bacia do Bornéu-Mekong, do Congo e da Amazônia. Trata-se de um mecanismo inovador, baseado não em doações, mas em investimentos, que vai remunerar tanto os países que contribuem, quanto os que preservam suas florestas. Contamos com o apoio da Ásia do Leste para fortalecer as respostas multilaterais à mudança do clima.

    O Brasil tem orgulho de ser Parceiro de Diálogo Setorial da Asean e quer expandir a cooperação segundo o Plano de Ação 2024-2028. Os países da Ásia do Leste têm em nós um parceiro confiável e comprometido com a construção de um mundo mais inclusivo e sustentável.   

    Muito obrigado.