Atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) após indicação do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), Wagner Rosário (foto em destaque) pediu a “suspensão imediata” de pagamentos ligados ao programa Melhor Caminho, da Secretaria de Agricultura em ofício assinado, e obtido pelo Metrópoles, quando ainda ocupava o cargo de controlador-geral do Estado (CGE).
O documento, assinado por Rosário em julho de 2023, foi endereçado no mesmo mês à Secretaria de Agricultura, ainda sob a gestão do ex-secretário de Agricultura Antonio Junqueira, com indícios de irregularidades em dois processos ligados ao caso.
As suspeitas levaram o Ministério Público de São Paulo (MPSP) a abrir 147 inquéritos e a instaurar ao menos 12 ações para investigar o pagamento de R$ 49 milhões em aditivos de contratos do programa. Também motivaram a própria gestão Tarcísio a denunciar o escândalo no primeiro ano de mandato. No entanto, o atual secretário Guilherme Piai atuou para encerrar as apurações internas da pasta sobre as irregularidades.
Foi Junqueira, o ex-secretário de Agricultura, quem reunira as suspeitas, acionando o MPSP, o TCE e a CGE. Um mês depois, ele deixou o governo e Piai, que era o número 2 da pasta, assumiu o cargo de secretário.
Leia também
-
Governo de SP recua e defende contratos denunciados por ele mesmo
-
Secretário do Agro atuou para enterrar apurações sobre obras suspeitas
-
MPSP vê ilegalidade em 12 contratos do Agro e tenta bloquear R$ 5 milhões
-
“Eu vi o rabo balançar o cavalo”, diz servidor sobre obras suspeitas
À época, a Controladoria-Geral do Estado, órgão responsável por apurar casos de irregularidades na administração pública, fez uma inspeção física em 13 obras do Melhor Caminho para avaliar o andamento dos trabalhos. As visitas técnicas foram feitas entre abril e junho de 2023.
Naquele momento, o Melhor Caminho contava com cerca de 850 obras de melhorias em estradas rurais espalhadas pelo estado. Em 2022, ano eleitoral, foram empenhados no programa R$ 555 milhões, um aumento de 139% em relação a 2021.
Os apontamentos do ex-CGE incluem a subcontratação de obras, pagamentos de parcelas justificados apenas pela instalação de placas em obras paradas e indícios de direcionamento da concorrência pública.
Aditivos dos contratos
- Os aditivos em cerca de 150 contratos do Melhor Caminho foram assinados nos últimos dias de dezembro de 2022, no apagar das luzes da gestão do ex-governador Rodrigo Garcia (sem partido), e são alvos de ações no Ministério Público. Ao todo, eles custaram quase R$ 50 milhões aos cofres do Estado.
- De acordo com parecer técnico do MPSP, os aditivos foram concedidos sem a demonstração adequada de desequilíbrio contratual.
- Entre os fatores apontados, está a concessão do aumento com base em justificativa de eventos externos que aconteceram antes da assinatura do contrato, como a pandemia de Covid-19 e a modificação da política de preços de combustíveis.
- Além disso, a promotoria afirma que houve ausência de análise individualizada dos pedidos das empresas, com 150 contratos obtendo reajuste em bloco, no final de 2022.
Gerenciamento das obras
Um dos focos do atual conselheiro do TCE-SP no documento foi o contrato de gerenciamento das obras do Melhor Caminho firmado com a LBR Engenharia no valor de R$ 24 milhões.
O ex-CGE identificou, por exemplo, que a empresa havia recebido o pagamento de cerca de 93% do previsto em contrato, sendo que apenas 53,% das obras haviam sido de fato executadas. Além disso, os serviços não haviam sido devidamente comprovados, de acordo com a apuração de Rosário.
O ofício ainda apontou conflito entre o percentual de execução das obras apresentado pela empresa e o fornecido pelas prefeituras. Rosário também menciona um pagamento de R$ 880 mil feito à LBR por serviços de “transferência de tecnologia”, que não foram prestados.
Quanto aos indícios de direcionamento da concorrência pública registrados pelo ex-CGE, que resultaram na contratação da empresa, uma análise técnica do TCE, de outubro de 2023, concluiu pela regularidade da licitação, bem como de um dos aditivos.
“Todas essas constatações, como foi acima registrado, recomendam a atuação imediata dessa Secretaria de Agricultura e Abastecimento no sentido de interromper os pagamentos à empresa LBR Engenharia e Consultoria Ltda. e às empresas executoras das obras onde haja indícios de não execução de serviços já pagos”, escreveu Rosário.
Ofício assinado por Wagner Rosário em julho de 2023 pediu o pagamento imediato de pagamentos do programa Melhor Caminho
O que diz o Governo de SP
Em nota, a Controladoria-Geral do Estado informou que os trabalhos de auditoria sobre o Melhor Caminho ainda estão em andamento e que “mais informações serão disponibilizadas ao término das atividades, uma vez que o órgão não comenta auditorias em curso”.
Já a Secretaria de Agricultura e Abastecimento enfatizou que “todas as denúncias citadas se referem à gestão anterior”.
“Atualmente, o programa de recuperação de estradas rurais Melhor Caminho é executado com excelência e sem apontamentos do Tribunal de Contas”, disse a pasta.
A secretaria ainda afirmou que o relatório citado se trata de um despacho preliminar. Diz ainda que já apresentou todas as justificativas técnicas e jurídicas necessárias e que “a Procuradoria da Fazenda do Estado, em dezembro de 2024, no âmbito do próprio TCE, já se manifestou favoravelmente”.
“Todas as apurações internas sobre o fato foram conduzidas por servidores e encaminhadas integralmente ao Ministério Público e à Procuradoria-Geral do Estado. Não houve qualquer relação entre as demissões recentes de servidores comissionados e as investigações sobre irregularidades em gestões anteriores”, diz também a nota.
Ainda de acordo com a secretaria, o relatório da Controladoria-Geral do Estado aprovou o cálculo de reequilíbrio das obras e “eventuais sanções a empresas serão aplicadas”.
“Por fim, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento reafirma seu compromisso com a transparência e a legalidade, e informa que está à disposição do Ministério Público e dos demais órgãos de controle para fornecer todas as informações necessárias sobre os processos em andamento”.
A LBR Engenhariafoi procurada pelo Metrópoles, mas não se manifestou até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.