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    Cigarros eletrônicos e a sanha arrecadatória: incoerências favorecem a ilegalidade

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    Poucos exemplos ilustram tão bem as distorções do sistema tributário e regulatório brasileiro quanto o caso dos cigarros eletrônicos.

    O país vive um paradoxo econômico e institucional que desafia a lógica: o produto é proibido, reconhecidamente nocivo à saúde, mas é vendido abertamente em lojas, esquinas e plataformas digitais, sem controle sanitário, sem pagamento de tributos e sem qualquer proteção ao consumidor.

    Trata-se de uma falha de regulação que, além de comprometer a saúde pública, tem consequências fiscais e econômicas graves.

    O mercado ilegal de cigarros eletrônicos movimenta cerca de R$ 7,8 bilhões por ano, segundo estudo da Escola de Segurança Multidimensional da USP, em parceria com o instituto IPSOS.

    Se devidamente regulamentado, esse mercado poderia movimentar, em 2025, R$ 13,7 bilhões em arrecadação, além de criar 114 mil empregos formais e R$ 2,2 bilhões em massa salarial ao longo da cadeia produtiva.

    A contradição é evidente: enquanto são ampliados tributos sobre setores produtivos formais, mantém-se na clandestinidade um mercado bilionário, que alimenta o crime organizado.

    Há proibição sem fiscalização; o consumidor compra, mas não sabe o que consome; e quem se beneficia é a economia paralela, que drena recursos e competitividade da economia formal.

    Mercado ilegal

    Regularizar não significa incentivar o consumo, mas enfrentar a realidade com racionalidade econômica.

    Mais de 90 países, entre eles Reino Unido, Japão, Canadá e diversos membros da União Europeia, já estabeleceram regras que equilibram controle sanitário, tributação proporcional e políticas de prevenção. Esses países já compreenderam que um mercado regulamentado é mais eficiente do que um ilegal.

    O Brasil, porém, sustenta um modelo proibitivo que fracassa em conter o consumo, amplia o espaço do contrabando e, de quebra, renuncia a bilhões em arrecadação.

    Essa escolha revela um viés de política tributária que penaliza o setor produtivo formal, ao mesmo tempo em que deixa de capturar receitas legítimas provenientes de atividades já consolidadas na prática social e econômica.

    A indústria brasileira defende um modelo de tributação racional, previsível e competitivo, que estimule a formalidade. A regularização de mercados informais — como o dos cigarros eletrônicos e das apostas online — é parte desse debate.

    Não é coerente que a produção industrial, o comércio formal e o investimento produtivo arquem com a maior carga tributária do planeta, enquanto atividades informais e ilegais prosperam à sombra da omissão regulatória.

    É inadmissível que o Estado mantenha um discurso de justiça tributária enquanto insiste em tributar os que produzem, poupando os que operam fora da lei.

    A rotulação genérica de “gastos tributários” aplicada a políticas de incentivo à produção industrial é outro equívoco que precisa ser revisto. Incentivo à produção não é renúncia fiscal — é investimento em competitividade e emprego. O Brasil, ao criminalizar o estímulo à produção, caminha na contramão do mundo.

    O caminho da coerência é transformar o círculo vicioso da economia ilegal em um círculo virtuoso de legalidade, arrecadação e desenvolvimento industrial.

    • Ricardo Alban é presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)