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Correios: um colapso anunciado (por Hubert Alquéres)

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Correios: um colapso anunciado (por Hubert Alquéres)

Houve um tempo em que os Correios eram sinônimo de integração nacional, quando a estatal desempenhava papel estratégico ao garantir a universalidade do serviço postal. Mas isso pertence a uma era que já pode ser considerada como a pré-história das comunicações a pré-história das comunicações, quando telegramas, cartas e remessas eram a principal forma de contato entre as pessoas. Hoje, a estatal vive uma crise agônica, acumulando déficits ano após ano.

O plano anunciado pelo novo presidente dos Correios — além de recorrer a um empréstimo bilionário de R$ 20 bilhões ao BNDES — pouco se compromete com metas claras de eficiência, digitalização ou sustentabilidade operacional. O discurso institucional fala em “inovação” e “serviços digitais”, mas sem qualquer cronograma, prioridade objetiva ou detalhamento técnico. Na prática, é um plano genérico, mais próximo de um discurso de intenções do que de um projeto de reestruturação à altura da crise.

Essa crise se traduz em números e em um rosário de decisões equivocadas, algumas delas adotadas por governos petistas por motivos ideológicos. Entre elas, destaca-se a decisão de Lula, no início de seu terceiro mandato, de retirar os Correios do rol das estatais a serem privatizadas. Parte do déficit — que, só no primeiro semestre deste ano, chegou a 4,3 bilhões de reais, um salto de 70% em relação ao prejuízo do ano anterior — decorre do fato da estatal ter sido obrigada a cobrir o rombo de cerca de 7 bilhões de reais do Postalis, fundo de pensão de seus funcionários.

O Postalis entrou em situação falimentar porque, nos desastrados anos do governo Dilma, o fundo de pensão dos Correios realizou investimentos danosos, apontados pelo TCU, como a compra de títulos da Venezuela e da Argentina, para ajudar os governos “amigos” de Cristina Kirchner e Hugo Chávez.

Também por motivos ideológicos, o plano de recuperação descartou qualquer possibilidade de privatização. Outra decisão desastrosa foi a contratação de cerca de quatro mil novos funcionários no atual governo Lula, quando a empresa já operava no vermelho.

A verdade nua e crua é que os Correios não acompanharam as inovações tecnológicas capazes de fazê-lo competir em um tempo em que o e-commerce ganhou escala. O advento do comércio eletrônico e das redes sociais revolucionou os serviços de logística e a forma de comunicação. Mesmo nos rincões mais distantes do país, as pessoas se comunicam principalmente por redes sociais, e-mails, WhatsApp e outras ferramentas digitais, nunca por cartas.

Com cerca de 80 mil funcionários, os Correios tornaram-se um grande paquiderme nas mãos de um Estado com parco poder de investimento. Custam aproximadamente 20 bilhões de reais por ano, obrigando o Tesouro a fazer sucessivos aportes na estatal.

Durante a disputa presidencial de 2022, Lula afirmou repetidas vezes que não privatizaria estatais estratégicas. A promessa foi uma forma de se contrapor ao discurso de Bolsonaro e Paulo Guedes, que defendiam ampliar o programa de privatizações, incluindo os Correios. Também atendeu à pressão de corporações com laços históricos com o PT, tradicionalmente apoiado pelos funcionários da estatal. Retirar a empresa do Programa Nacional de Desestatização foi, portanto, um gesto de reconhecimento a esse segmento.

Atendia-se, assim, à narrativa construída pelo PT desde o seu nascedouro: a defesa das estatais como instrumentos de soberania e desenvolvimento nacional. Para o partido, privatizar empresas públicas — especialmente as de presença capilar— seria sinônimo de abrir mão de patrimônio coletivo em favor de interesses privados. Assim como a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa, os Correios integram o rol de “símbolos” que o partido considera intocáveis.

A consequência disso foi a transformação da estatal em um grande elefante branco, com um modelo de gestão pautado no loteamento político e na repartição de cargos entre aliados. Esse modelo colocou a empresa no epicentro de escândalos, como o “mensalão”, que deu origem à CPI dos Correios.

A crise se agrava porque o papel de cobertura nacional — que no passado conferia relevância estratégica à empresa — deixou de ser um ativo e passou a ser um passivo oneroso. O avanço do comércio eletrônico e o surgimento de gigantes do setor, como Mercado Livre, Amazon e grandes operadoras logísticas nacionais, mudaram radicalmente as regras do jogo. As empresas privadas passaram a dominar o mercado de entregas rápidas, de alto valor agregado e rentabilidade.

Essas empresas investiram em tecnologia, rastreamento em tempo real, sistemas de logística integrados e centros de distribuição automatizados. E os Correios permaneceram presos a estruturas burocráticas e a uma gestão frequentemente comprometida com interesses políticos de curto prazo, em vez de estratégias de longo alcance.

A experiência internacional mostra que a separação entre a obrigação de universalização (custeada pelo Estado) e as operações comerciais mais competitivas permitiu a modernização das empresas postais sem sacrificar o interesse público. Modelos de concessão, abertura parcial de capital ou parcerias tecnológicas poderiam ser explorados.

O Brasil tem exemplos numerosos de privatizações em setores estratégicos que se mostraram benéficas para a sociedade. É claro que privatizar não é panaceia, e qualquer modelo deve assegurar o compromisso com a universalização dos serviços.

É inevitável comparar a situação semiterminal dos Correios com o que ocorreu no setor de telecomunicações. Quando as teles foram privatizadas, houve enorme resistência, com o argumento de que a universalização do acesso à telefonia estaria comprometida. Se essas vozes tivessem imposto seu viés ideológico, ainda estaríamos estagnados nos tempos do “orelhão” — assim como os Correios continuam presos à época em que a carta manuscrita era o principal meio de correspondência.

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Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação

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