A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura possíveis fraudes na comercialização de moradias sociais em São Paulo deve ouvir, nesta terça-feira (21/10), o primeiro representante de uma construtora suspeita de cometer irregularidades na venda das chamadas Habitações de Interesse Social (HIS) e Habitações de Mercado Popular (HMP).
Alexandre Lafer Frankel, presidente do conselho da construtora Vitacon, pediu para agendar seu depoimento para esta terça, após não comparecer às duas primeiras datas sugeridas pela CPI. O Metrópoles questionou à assessoria da Vitacon se o empresário confirmava presença, mas não foi respondido.
Em nota, a assessoria da empresa afirmou apenas que a incorporadora “sempre atuou em estrita observância da legislação vigente à época da aprovação de cada empreendimento” e que a CPI abrange todos os projetos imobiliários com essas características desenvolvidos na cidade de São Paulo, não se restringindo à companhia.
A empresa disse ainda que já prestou as informações solicitadas pelos órgãos competentes, “em todas as esferas”, e permanece à disposição para quaisquer esclarecimentos.
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Suspeitas contra Vitacon
Nos bastidores, membros da CPI apontam a Vitacon como uma das principais suspeitas de fraudar a política habitacional que tinha como objetivo levar a população de baixa renda para bairros próximos a eixos de transporte público.
Isso porque, além de ter uma forte atuação na venda de empreendimentos com unidades HIS e HMP, a Vitacon é “irmã” da Housi, marca que administra apartamentos para investidores e oferece aluguéis de curta duração nos espaços — Frankel, além de presidente do conselho da Vitacon, é também CEO da Housi.
Nos empreendimentos da construtora, os serviços da Housi são sugeridos como uma opção aos proprietários investidores. Além de administrar os aluguéis, a Housi também oferece a possibilidade de decorar os apartamentos, de forma a “facilitar” a vida de quem pretende alugar os imóveis.
Em um vídeo no YouTube, publicado em 2020, a head de investimentos da Vitacon diz, sem citar a Housi, que investir com a construtora é extremamente fácil. “A gente decora, mobilia, encontra o inquilino e faz toda a gestão do seu ‘apê’. Aí é só ficar esperando o dinheiro cair na conta todo mês”, afirma.
No vídeo, a executiva não chega a dizer se a Housi ou a Vitacon atuam ou não administrando apartamentos enquadrados como HIS e HMP para aluguéis de curta duração. O Metrópoles apurou, no entanto, que os serviços da Housi também foram oferecidos para proprietários dessas unidades.
O dono de um apartamento da Vitacon em Moema, na zona sul da cidade, disse à reportagem, sob condição de sigilo, que alugava seu imóvel pela Housi e o teve retirado da plataforma da marca na semana passada, às vésperas da CPI. Segundo ele, outros anúncios também foram removidos.
Por WhatsApp, ele recebeu uma mensagem da empresa dizendo que “imóveis classificados como HIS ou HMP não estão sendo operados nas plataformas da Housi, em razão de restrições legais aplicáveis”. Os aluguéis de curta duração são proibidos em imóveis do tipo HIS e HMP.
Para o vice-presidente da CPI das HIS, Nabil Bonduki (PT), a decisão da Housi de paralisar a locação de unidades aprovadas como HIS para aluguel de curta temporada mostra “os efeitos da CPI”.
“Na semana passada, recebemos várias denúncias de compradores de unidades habitacionais produzidas pela Vitacon, bastante revoltados com o fato de terem adquirido esses imóveis sem informação correta de suas restrições. Então esse recuo agora é um resultado concreto da CPI, uma vez que o presidente da empresa prestará depoimento à comissão”, diz o vereador.
O Metrópoles entrou em contato com a Housi e perguntou por que a empresa oferecia seus serviços para unidades HIS e HMP, apesar das proibições legais envolvendo aluguéis de curta duração. A reportagem também questionou o que motivou a suspensão da medida agora. Até o fechamento deste texto, a Housi não havia enviado nota. O espaço segue aberto para manifestação.
Relembre a história dos HIS
- Os empreendimentos imobiliários recebem os incentivos por serem classificados como habitação de interesse social e habitação de mercado popular, terminologia prevista no Plano Diretor da Cidade para móveis voltados para famílias de baixa renda.
- Pelo Plano Diretor de São Paulo, são reservadas áreas próximas às estações de metrô para a construção deste tipo de imóvel. A ideia original é promover o adensamento de áreas abastecidas de transporte público com moradias populares.
- A construção de imóveis de habitação de interesse social é feita pela iniciativa privada, que recebe incentivos do poder público. Cabe às construtoras o controle se o cliente atende à renda prevista nas regras da Prefeitura de São Paulo.
- Para comprar imóveis desse tipo, é necessário estar enquadrado na faixa de renda de até seis salários mínimos de renda familiar mensal ou até um salário-mínimo per capita mensal unidades HIS; e de até 10 salários-mínimos de renda familiar mensal ou até 1,5 salário-mínimo per capita mensal para as HMP.
- Nos últimos anos, a cidade de São Paulo tem experimentado o aumento do interesse do mercado imobiliário neste tipo de construção. E denúncias de fraudes começaram a surgir, com alegações de que o uso das moradias foi desvirtuado.
- O Ministério Público (MPSP) acusa a prefeitura de “absoluta ineficiência” no controle de fraudes. A prefeitura, por outro lado, diz que notificou mais de 600 empreendimentos e multou 28 deles.