A arte sempre teve endereço certo no Distrito Federal (DF). Ceilândia, Taguatinga, Gama, Sobradinho e Planaltina mantêm há décadas uma vida cultural intensa, marcada por saraus, batalhas de rap, festas populares e grupos de teatro comunitário. Essas expressões sempre existiram, mas agora ecoam mais longe. O que antes era vivido em praças, escolas, centros comunitários e bares passou a ocupar palcos maiores e a ganhar visibilidade em toda a capital.
Essa conexão entre as diferentes cenas do DF vem se fortalecendo com a ampliação de eventos que estimulam o encontro entre artistas e comunidades. É o caso do show que o sertanejo Leo Correia fez em setembro.
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Nascido e criado no Guará, Leon encantou o público ao se apresentar no mesmo palco que artistas consagrados, como Edson & Hudson e Eduardo Costa. A apresentação foi Taguaparque, durante a terceira edição do Sesc+Sertanejo que reuniu milhares de pessoas em uma grande celebração da música popular.
Para Leon, participar de um evento desse porte, em uma região administrativa vizinha a dele, tem um significado especial. “É sempre muito bom estar em eventos atrelados ao Sesc, pela qualidade, excelência na entrega e em tudo que diz respeito à cultura”, conta.
A visibilidade conquistada nos palcos da capital tem se refletido também fora do país. “Mês passado fizemos a nossa nona turnê nos Estados Unidos. Mês retrasado, em agosto, fizemos nossa primeira turnê na Europa”, comemora.
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Leon Correia encantou o público com o melhor do sertanejo durante o Sesc+Sertanejo
Divulgação/Sesc-DF
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Leon Correia encantou o público com o melhor do sertanejo durante o Sesc+Sertanejo
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Leon Correia encantou o público com o melhor do sertanejo durante o Sesc+Sertanejo
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O DJ Eddy Viana compartilha uma história parecida. Morador de Ceilândia, o artista fala com entusiasmo sobre a oportunidade de ter se apresentado em um arraiá, também promovido pelo Sesc DF. O momento, segundo o artista, marcou o início de novas conquistas.
Depois da apresentação, vieram convites para outros palcos, entre eles um show ao lado de Natanzinho Lima, no Parque da Cidade, e uma apresentação na Bahia, no município de Serra do Ramalho.
“Foi uma experiência muito boa. Pude rever muitos amigos e mostrar o meu trabalho para quem não conhecia. E como foi um evento de festa junina, pude tocar para um público nordestino que gosta muito de forró e sertanejo”, relembra.
DJ Eddy Viana foi atração do Arraiá do Sesc em Ceilândia
Em 2025, uma série de eventos culturais espalhou apresentações gratuitas de música, teatro, literatura e artes visuais por diferentes regiões administrativas do Distrito Federal. Só as ações promovidas pelo Sesc-DF reuniram mais de meio milhão de pessoas.
“Nosso objetivo é consolidar o Sesc como referência em música, artes cênicas e outras linguagens culturais”, afirma o diretor regional do Sesc-DF, Valcides de Araújo, em entrevista ao Metrópoles. “A receptividade tem sido muito positiva, mostrando a demanda por cultura em espaços públicos”, comemora.
Dados do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), publicados no Mapa das Desigualdades de 2022, indicam que a oferta de cultura gratuita e descentralizada ainda é um desafio no Distrito Federal, o que reforça a importância de iniciativas que conseguem chegar para outras regiões administrativas.
O levantamento mostra que o Sudoeste/Octogonal lidera o acesso a políticas e equipamentos culturais, com 81%, seguido de Águas Claras (77%), Candangolândia (76%) e Plano Piloto (72%). Já regiões periféricas como Planaltina e São Sebastião registram apenas 17%, enquanto Brazlândia tem o índice mais baixo, com 14%. Cidades populosas como Ceilândia e Gama aparecem com 40%.
Palco de memórias e diversidade
A democratização do acesso à arte também passa pelo resgate das histórias que moldaram o imaginário cultural do Distrito Federal. Foi com esse olhar que o dramaturgo Sérgio Maggio levou ao palco do Teatro Sesc Silvio Barbato o espetáculo O Arco-Íris no Concreto, inspirado na trajetória da New Aquarius, primeira boate gay de Brasília, que funcionou no Conic durante a ditadura militar.
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O dramaturgo Sérgio Maggio levou arte para mais de 900 pessoas por meio do Sesc+Cultura
BRENO ESAKI/METRÓPOLES/@BrenoEsakiFoto
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O dramaturgo Sérgio Maggio levou arte para mais de 900 pessoas por meio do Sesc+Cultura
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Em 10 dias de apresentações gratuitas, o espetáculo reuniu mais de 900 pessoas e transformou o teatro em um espaço de encontro e acolhimento para o público LGBTQIAPN+. “Tivemos na plateia transformistas que faziam shows na New Aquarius. Para elas, foi como revisitar um passado que não existe mais e também trazer essa memória para 2025, sob uma nova perspectiva”, conta o dramaturgo.
A montagem foi viabilizada pelo Sesc+Cultura, que isenta artistas e produtores do pagamento de taxas para o uso dos espaços culturais da instituição. O incentivo, segundo Maggio, faz toda a diferença: “Isso nos permite investir mais na qualidade da obra e na valorização dos profissionais envolvidos”.
O Grupo Pele, liderado pela bailarina e coreógrafa Catherine Zilá, foi contemplado pela mesma iniciativa que O Arco-Íris no Concreto, para percorrer com o espetáculo de dança contemporânea Pele em Trânsito pelo DF.
A performance passou por Ceilândia, Taguatinga, Plano Piloto e Gama levando ao público quatro peças sobre as diferentes dimensões da experiência humana. “O projeto foi pensado para levar nosso fazer artístico e as reflexões provocadas por ele para o máximo de público possível”, diz Zilá.
“Poder crescer dentro da nossa cidade, com espetáculos autorais e de qualidade técnica e artística reconhecidas, certamente é uma forma de agregar nas vivências culturais de Brasília. Isso fortalece a cena artística da cidade”, acrescenta.
A artista ressalta a importância do apoio de instituições dedicadas ao fortalecimento da cena cultural local. “É uma forma de democratizar o acesso de artistas e incentivar a cultura local, dando espaço de qualidade e oportunidade.”
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O Grupo Pele levou espetáculos teatrais para quatro locais do DF: Ceilândia, Taguatinga, Plano Piloto e Gama
Divulgação/Vitor Brandão Jr.
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O Grupo Pele levou espetáculos teatrais para quatro locais do DF: Ceilândia, Taguatinga, Plano Piloto e Gama
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Além do impacto cultural, os eventos também movimentam a economia local. Segundo o Sesc-DF, cada grande evento gera cerca de 600 empregos diretos, em funções que vão de segurança, brigadistas e serviços gerais à comercialização de bebidas e alimentos, monitoramento e comunicação. Esse número ainda deve aumentar, com o desenvolvimento de outros programas e espaços culturais.
“Estamos em constante desenvolvimento, incorporando novos serviços e experiências. O Sesc quer mostrar que, além da cultura, oferece serviços de bem-estar, educação e cidadania. Já há novas edições do Sesc+Música e Sesc+Cultura previstas para o próximo ano, todas gratuitas”, explica Valcides de Araújo.
“Até a inauguração do futuro Centro Cultural, prevista para 2028, haverá programação trimestral com shows e exposições, para que a comunidade já vivencie o espaço”, complementa o diretor regional do Sesc-DF.
Oportunidade para quem precisa
O público, é claro, também aprova as iniciativas. Morador de Ceilândia, o técnico em informática Sérgio Lopes, de 42 anos, acompanhou, em agosto, o show gratuito do cantor Hungria, realizado dentro do projeto Sesc+Rap na cidade.
Ao Metrópoles, ele destacou a oportunidade de ver o ídolo sem um alto gasto com ingressos e transporte. “Fico muito feliz em ter essa chance. Com o preço dos ingressos hoje em dia, muitas vezes é difícil ver de perto e curtir ao vivo as músicas que gostamos. Projetos como esse são essenciais, pois aproximam os artistas da comunidade e tratam a cultura com a importância que ela merece”, avaliou.
Morador de Ceilândia, Sérgio Lopez celebra a oportunidade de vivenciar a arte de maneira gratuita e acessível
Também morador da Ceilândia e fã do rapper responsável pelo sucesso Insônia, Matheus Maciel viveu um momento especial ao assistir uma apresentação de Hungria pela primeira vez. “Ter esse tipo de lazer à disposição, principalmente sem custo, faz um bem enorme. A gente consegue sair da rotina, relaxar e ainda economizar com transporte e ingressos. Só tem vantagem.”
Ele conta que, em outras ocasiões, precisou se desdobrar para acompanhar apresentações no Plano Piloto. “Nas vezes em que não fui de carro, tive que fazer uma missão gigante para conseguir ir, pegando ônibus para o metrô e andando bastante até o estádio, por exemplo. Fora que para voltar, tinha que pagar caríssimo em um carro de aplicativo, pois não tem mais transporte público à disposição quando os eventos terminam.”
Ações que inspiram
Além de ampliar o acesso à arte, iniciativas voltadas à ocupação de espaços públicos também inspiram novos projetos de descentralização da cultura no DF. Um exemplo é o Circula Cultura, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, que leva arte, música e outras expressões culturais diretamente às regiões administrativas — especialmente àquelas com menor oferta de programação contínua.
Em 2024, o programa teve duração de 10 meses e passou por nove cidades com maior índice de vulnerabilidade social. Segundo a Secec, o objetivo é fortalecer o mercado cultural local e valorizar os artistas da capital federal.
“O Circula abre espaço para que artistas, coletivos e grupos da cidade circulem, ampliem a visibilidade e construam novos públicos, ao mesmo tempo em que estimula o mercado cultural local”, ressalta o secretário de Cultura e Economia Criativa do DF, Claudio Abrantes.
Com mais de duas décadas de trajetória, o grupo Só Pra Xamegar foi uma das atrações do programa neste ano. “Esse tipo de projeto é essencial. Ele aumenta a visibilidade dos artistas e leva entretenimento e cultura a quem muitas vezes não tem acesso. Espero que continue impactando positivamente tanto os músicos quanto o público do DF”, afirma o vocalista Diogo Henrique, iniciativas como o Circula Cultura são fundamentais para o fortalecimento da cena local.
O músico também avalia que a participação no programa ajudou a ampliar o alcance da banda. “O Circula Cultura agregou muito à nossa carreira, pois conseguimos levar nossos shows a pessoas que geralmente não conseguem frequentar os locais em que nos apresentamos. Muitos dos nossos fãs mais recentes conheceram nosso trabalho por meio desse projeto.”
A banda Só Pra Xamegar participou do Circula Cultural em Planaltina
