Investidores que compraram imóveis enquadrados como Habitação de Interesse Social (HIS) em um empreendimento da Vitacon, em Moema, na zona sul de São Paulo, dizem que foram enganados pela construtora, que teria vendido o negócio como um “investimento de alta rentabilidade” sem explicar as restrições das moradias sociais.
O grupo alega que a Vitacon apresentou o empreendimento como uma oportunidade para aluguéis de curta duração. Segundo eles, já no momento da compra, os corretores ofereciam os serviços da HOUSi, marca “irmã” da Vitacon, que administra imóveis para locação temporária.
A informação de que as unidades eram do tipo HIS, ou seja, de que seriam destinadas à população de baixa renda, não era informada durante as negociações, segundo os proprietários ouvidos pelo Metrópoles. Um deles só descobriu que seu apartamento era uma unidade HIS depois que outros investidores começaram a falar sobre o tema em um grupo do condomínio.
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Outro percebeu que a sigla aparecia no contrato e chegou a enviar um e-mail para a construtora, perguntando se teria problemas para alugar e vender o apartamento no futuro. Na resposta, um executivo da Vitacon disse que a fiscalização se dava apenas pela construtora.
“A fiscalização é feita apenas pela construtora no ato da venda, e a condição do comprador é analisada apenas no ato da compra também, o que te permite ter uma renda superior no futuro assim como revender a unidade”, disse o executivo.
Agora, os proprietários cogitam entrar na justiça contra a construtora. Um dos envolvidos nas discussões sobre o tema é o agente financeiro Anderson Carneiro, de 46 anos. Ele faz parte de um grupo de WhatsApp que reúne cerca de 30 investidores que se dizem frustrados com a Vitacon pelo que entendem como falta de transparência na venda de HIS.
Anderson afirma que o grupo surgiu depois que os investidores souberam da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga as irregularidades na venda dos HIS. “Foi justamente a CPI que acabou mobilizando esse grupo de proprietários a se juntar e juntar as provas”, diz ele, explicando que levou as denúncias à comissão.
Anderson comprou um imóvel no ON Maracatins, em Moema, em 2021. Ele diz que, na hora da venda, a corretora não falou que a unidade era HIS. Foi só no momento em que recebeu o contrato que Anderson reparou a citação à moradia social.
“Eu comecei a perguntar o que era HIS. Mesmo assim, eles minimizavam a questão. Na comercialização, nunca foi mencionado. No contrato é [algo] perdido. E, quando você pede esclarecimento, eles minimizam”, afirma o proprietário.
Segundo ele, a corretora disse que não haveria nenhum problema com o modelo. Anderson diz que, sem entender as restrições da política pública, decidiu assinar o documento e ainda contratou os serviços da HOUSi para fazer a decoração e administração dos aluguéis do imóvel.
Ele acabou optando por fazer o distrato de locação pela HOUSi quando a obra ficou pronta, mas ainda acreditava que seria possível colocar o apartamento no AirBnb, considerando que a prática já tinha sido apresentada pela Vitacon no momento da venda. Até que soube que o aluguel para curta duração foi proibido pela Prefeitura de São Paulo em empreendimentos como o seu.
“Até agora, eu só tive despesas com condomínio, porque eu não aluguei. Agora, eu tô tentando alugar dentro das regras, que é para pessoas que têm até seis salários mínimos, mas não é fácil alugar”, conta ele.
Pequenos investidores
Anderson diz que, como ele, a maior parte dos investidores que compraram imóveis no ON Maracatins adquiriru só uma unidade, “não são bilionários”, e essas pessoas gastaram economias de anos para fazer a compra com a promessa de uma alta rentabilidade com os aluguéis.
Entre os proprietários do grupo, estão aposentados, donos de microempresas e jovens que compraram o primeiro apartamento para investimento.
É nesse último exemplo que se enquadra o caso de um jovem, de 27 anos, entrevistado pelo Metrópoles. Ele, que pediu para não ser identificado, percebeu no contrato a menção ao termo HIS e enviou o e-mail citado no início desta reportagem.
Depois da resposta de que não haveria problemas, o jovem entendeu que estava fazendo uma escolha segura. “A propaganda do investimento era toda para a rentabilidade, o assunto short stay [locação de curta temporada] sendo muito mencionado, quase nos pilares ali da propaganda deles. Era algo que chamava atenção na época, parecia ter uma rentabilidade muito boa.” Agora, o jovem diz que está endividado e não consegue ter o retorno que esperava.
“Essa propaganda da Vitacon me encantou muito. Hoje, tendo em vista todo esse cenário que está acontecendo do HIS, eu entendo que uma unidade que faz parte desse programa nunca deveria ter sido vendida com essa motivação de rentabilidade, de locação, de curta temporada. […] Se for olhar todo o marketing que a Vitacon estava fazendo, era algo completamente errado que enganou muita gente. Eu sou uma dessas pessoas”
Outro investidor que comprou duas unidades HIS com a Vitacon — no ON Maracatins e outra em outro empreendimento — disse ao Metrópoles que esses foram os primeiros e últimos apartamentos que ele adquiriu para investimento. “É um absurdo isso que fizeram”, falou o empresário, que também pediu para não ser identificado.
O investidor, de 44 anos, disse que não fazia ideia do que era um imóvel tipo HIS e só descobriu que tinha adquirido uma unidade desse modelo nos últimos dias, quando as discussões sobre o tema começaram no grupo do condomínio.
Ele tinha contratado os serviços da HOUSi para administrar o imóvel. A empresa chegou a anunciar o apartamento na internet como disponível para aluguel de curta duração. Na semana passada, no entanto, o anúncio saiu do ar.
Por WhatsApp, a HOUSi enviou uma mensagem a ele dizendo que “imóveis classificados como HIS ou HMP não estão sendo operados nas plataformas da HOUSi, em razão de restrições legais aplicáveis”.
A retirada do anúncio aconteceu às vésperas do CEO da HOUSi e presidente do conselho da Vitacon, Alexandre Frankel, comparecer à CPI das HIS para prestar depoimento — no final, o empresário solicitou reagendamento e não falou aos vereadores.
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Presidente do conselho da Vitacon, Alexandre Frankel pediu para reagendar depoimento na CPI da HIS marcado para o dia 21 de outubro
Douglas Ferreira / Câmara Municipal de SP2 de 5
Alexandre Frankel na CPI da HIS
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Vereadores em CPI da HIS na Câmara
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Presidente e vice-presidente da CPI da HIS, Rubinho Nunes (União) e Nabil Bonduki (PT)
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Vereadores debatem CPI da HIS
Douglas Ferreira / Câmara Municipal de SP
O investidor de 44 anos que descobriu agora ser dono de um HIS afirma que, se soubesse das restrições, não teria fechado o negócio. “Se eu fosse calcular o investimento versus o retorno, eu tinha comprado um [apartamento] normal.”
No grupo dos investidores há ainda outros relatos semelhantes. “É uma frustração atrás da outra. Eu tô com filho pequeno, recém-nascido, isso impacta na vida financeira. Eu e a minha esposa, a gente se dedicou pra fazer esses pagamentos. Agora, acontece tudo isso e a gente não vê uma luz no fim do túnel”, contou um proprietário.
“Quando começou essa história do HIS, a gente não sabia nem que existia esse tipo de empreendimento aqui em São Paulo [..]. Eu pensei que o meu não tivesse nada disso”, falou outro.
Judicialização
- Na semana passada, os investidores começaram a discutir a ideia de abrir uma ação coletiva contra a empresa.
- A advogada Paula Taira Horiuti, líder da área de direito imobiliário do escritório Gasparini, Barbosa e Freire Advogados, diz que, de fato, há possibilidade de judicialização em casos como esses.
- “Se aplicar a lei do Direito do Consumidor e dizer que o comprador foi ludibriado, nessa situação, além de ter que pagar todo o montante, a construtora teria que pagar ainda perdas e danos causados ao adquirente do apartamento”, explica a advogada.
- Ela afirma, no entanto, que não há ainda jurisprudência para casos como esse e que a incorporadora pode alegar que os proprietários sabiam das restrições, porque assinaram um contrato que as cita.
- Nesse caso, os investidores teriam que provar que foram enganados no momento da venda.
O Metrópoles procurou a Vitacon para comentar os casos citados. A empresa respondeu com a seguinte nota: “A incorporadora, com mais de 15 anos de atuação, reafirma que cumpre integralmente a legislação e não realiza qualquer promessa de rentabilidade, mantendo total transparência com seus clientes”.
A Vitacon ainda é esperada na CPI das HIS. A nova data para o depoimento de Alexandre Frankel, no entanto, ainda não foi definida.