Lula prepara a reeleição com uma roupagem completamente diferente da usada há
quatro anos quando adotou o discurso da Frente Ampla. O discurso da moderação e da
defesa da democracia foi sua peça de resistência. Graças a ele, Lula se elegeu
presidente com uma diferença estreitíssima de votos. O fiel da balança foram os votos
do eleitorado de centro, refratário ao radicalismo de Bolsonaro.
Agora, esse discurso virou uma roupa desbotada, em parte porque os partidos de
centro-direita que ocupam ministérios sinalizam que não estarão no palanque de Lula
no próximo ano. Mas também porque a recuperação da aprovação de seu governo —
resultado do fato da oposição ter abusado do direito de errar — o animou a fazer uma
espécie de retorno às origens.
Passou a apostar no confronto, no discurso do nós contra eles. A rigor, é a reedição da
estratégia de enfrentamento e radicalização, adotada no segundo turno na eleição de
2006 para derrotar Geraldo Alckmin. A estratégia de demonizar o então tucano como
“privatista” e que poria fim ao Bolsa-família foi usada à exaustão para garantir um
segundo mandato.
Lula percebeu que a correlação de forças mudou, e fez uma guinada à esquerda. A
direita subestimou o peso da caneta do presidente, ignorando a lição clássica de
Bobbio: governos concentram poder. Ademais, ele ganhou novos e inusitados cabos
eleitorais — Donald Trump e o clã Bolsonaro — e, de quebra, passou a fazer o discurso
da defesa da “soberania nacional”.
Se faltava um símbolo dessa opção preferencial pela esquerda, não falta mais. Ele está
sintetizado no ingresso de Guilherme Boulos no “núcleo crucial” do governo, como
ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Boulos assume sua trincheira, chamado de
ministro da reeleição, com dupla missão: “colocar o governo nas ruas” e travar a
batalha nas redes sociais. Ou seja, vincular Lula à agenda identitária e aos movimentos
sociais, tradicionalmente base do presidente, que estavam meio desprestigiados neste
terceiro mandato.
Se, de um lado, Boulos estreita os laços com a base histórica do lulismo, de outro, pelo
seu perfil político, afasta partidos e políticos moderados, o que pode dificultar ainda
mais a vida do governo no Congresso Nacional. De imediato, a nomeação repercutiu
mal no MDB, peça essencial para a governabilidade. Essa é a primeira consequência
negativa do giro à esquerda, mas não a única, já que a inflexão na estratégia de Lula
vinha ocorrendo antes do ingresso de Boulos no governo. É possível situar um marco
temporal quando Sidônio Palmeira assumiu a comunicação política do governo e Gleisi
Hoffmann, a articulação institucional.
Essa guinada aparece tanto na retórica quanto na prática política do presidente e de
seu partido. Na propaganda televisiva recente do PT, são visíveis as mensagens que o
apresentam como defensor dos pobres contra os ricos e, mais do que isso, como
adversário de um Congresso que, segundo o discurso petista, estaria capturado pelos
interesses do poder econômico. Ao insinuar que o Parlamento é o “inimigo do povo”, o
partido procura tirar do Executivo a responsabilidade pelos impasses e limitações do
governo, reforçando a imagem de um presidente injustiçado pelas forças
conservadoras que o cercam.
O próprio presidente afirmou, na presença de um dos presidentes do Parlamento, que
“nunca o Congresso teve tão baixo nível como agora”.
A nova estratégia combina-se com medidas de forte impacto eleitoreiro — como a
proposta de tarifa zero nos transportes urbanos e a redução da jornada de trabalho —
que, embora sedutoras, resvalam para o populismo quando não acompanhadas de
reflexão sobre o equilíbrio das contas públicas. É o retorno da lógica do gasto como
motor da popularidade, sem prudência fiscal. Não se trata apenas de política
econômica: é uma escolha de narrativa, que busca colocar o governo ao lado dos
trabalhadores e contra instituições percebidas como obstáculos à vontade popular.
Quanto mais se aproxima a eleição, maiores as pressões para que o Banco Central
inicie um ciclo de queda dos juros, hoje em patamar historicamente elevado, o mais
alto em quase duas décadas. O próprio Lula liberou Gleisi e Haddad para criticar a
política monetária do Banco Central. Tudo que Lula não quer é disputar a reeleição
com os juros básicos estratosféricos. Boulos pode vir a ser a voz dos “movimentos
sociais” clamando contra a política monetária “neoliberal” do Banco Central.
Lula, experiente e intuitivo, percebeu o enfraquecimento dos partidos tradicionais e
soube transformar essa fragilidade em oportunidade. Ser o porta-voz dos desvalidos e
adversário das elites, retoma o discurso que o consagrou nas origens do PT. Mas de
forma reciclada. Com Bolsonaro fora do jogo eleitoral, o demônio a ser combatido não
é mais o perigo do “retorno do fascismo”.
A nova estratégia embute riscos. Ao apostar em medidas de apelo imediato e em
alianças com setores militantes, o governo tende a se fechar em um círculo de
reafirmação ideológica, espantando o eleitorado moderado. Embora essa postura possa
ser útil na construção de uma narrativa para 2026, traz custo para a governabilidade
no presente. Colocar o governo nas ruas rende manchetes; colocar votos no painel do
Congresso é o que decide a vida real do país.
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Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.
