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    Moradia social: maioria dos empreendimentos multados fica na periferia

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    A maioria dos empreendimentos multados pela Prefeitura de São Paulo por irregularidades envolvendo a venda de moradias sociais, do tipo Habitação de Interesse Social (HIS) e Habitação de Mercado Popular (HMP), fica nas periferias da capital paulista e não no centro expandido, onde a prática de fraudes na política pública ganhou força.

    Dos 28 prédios cujas construtoras tiveram multas determinadas pela gestão Ricardo Nunes (MDB) de janeiro até agora, 21 estão em bairros periféricos das zonas leste e norte da capital, como Cidade Patriarca e Vila Mazzei, e são construções pequenas, com menos de 30 apartamentos cada.

    Quase todos aparecem em uma lista fornecida pela prefeitura ao vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos HIS da Câmara Municipal de São Paulo, vereador Nabil Bonduki (PT). Segundo o documento, 25 construções, de 24 empresas, foram multadas — a prefeitura confirmou, ainda, à reportagem, outras três multas que não constam na lista.

    O Metrópoles teve acesso a lista enviada à CPI e verificou os endereços que se tornaram alvo da prefeitura, o valor de cada multa aplicada, e os motivos das autuações.

    O documento mostra que casos emblemáticos, de empreendimentos cujos apartamentos destinados à população de baixa renda viraram studios para locação no AirBnb, não foram o foco das punições aplicadas até o momento. Na prática, a maioria das autuações feita de janeiro até agora foi contra construções de porte pequeno e em bairros de classe média e classe média baixa.

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    Perfil das multas

    • O valor das multas varia de R$ 12 mil, caso de uma construção com apenas cinco apartamentos na Vila Matilde, zona leste, até R$ 17,7 milhões, cobrados de um empreendimento em Pinheiros, na zona oeste.
    • A zona leste da cidade é a região com maior concentração de empreendimentos autuados até o momento, com 18 prédios. A maior parte deles está localizada em um raio de cerca de 5km — que inclui bairros como Vila Nhocuné e Vila Matilde –, e são prédios com poucos andares.
    • A única construtora multada duas vezes na lista é a DSeven7 Empreendimentos Imobiliários.
    • A DSeven7 é responsável por um prédio residencial de 15 apartamentos na Rua Comandante Juliano Tena, 330, na Vila Santa Teresa, e por outro com 17 unidades, na Rua Inês Monteiro, 403, em Artur Alvim, ambos na zona leste. Somadas, as multas ficam em R$ 268.741,80.
    • Segundo o documento entregue pela prefeitura, as multas foram aplicadas aos prédios porque os responsáveis não prestaram as informações solicitadas no processo, ou não comprovaram os fatos alegados dentro do prazo estipulado pela prefeitura. O motivo é o mesmo que aparece na justificativa de outras 21 autuações.

    Em nota, a defesa da DSeven7 afirmou ao Metrópoles que não foi regularmente intimada e “desconhece qualquer penalidade eventualmente atribuída pelo Município de São Paulo”.

    “A DSeven7 Empreendimentos Imobiliários LTDA reafirma seu histórico de atuação responsável e aderente às regras do setor imobiliário, cumprindo integralmente a legislação urbanística, edilícia e consumerista aplicável, bem como os requisitos técnicos e operacionais exigidos para participação em programas habitacionais nas esferas municipal, estadual e federal”, afirma a empresa.

    A construtora diz que, caso seja intimada, adotará as medidas legais cabíveis com apresentação de defesa nos prazos e foros competentes.

    3 imagensConstrutora DSeven7 teve multa determinada pela Prefeitura por empreendimento em Artur AlvimEmpreendimento na zona leste gerou multa à construtora DSeven7Fechar modal.1 de 3

    Empreendimento alvo de multa da Prefeitura

    Reprodução / Street View Google Maps2 de 3

    Construtora DSeven7 teve multa determinada pela Prefeitura por empreendimento em Artur Alvim

    Reprodução / Street View Google Maps3 de 3

    Empreendimento na zona leste gerou multa à construtora DSeven7

    Divulgação DSeven7

    Multas milionárias

    As maiores multas foram destinadas à MF7 Eusébio Incorporadora, responsável pelo B.Side Faria Lima, prédio na Av. Eusébio Matoso, 500, em Pinheiros, e à M.A.R. Hamburgo Desenvolvimento Imobiliário, do Viva Benx Lapa, na Av. José Maria de Faria, 294, na Lapa, ambos na zona oeste.

    Nos dois casos, amplamente divulgados pela prefeitura no início do ano, as multas somadas chegam a R$ 31 milhões. Agora, no entanto, a gestão Ricardo Nunes (MDB) disse que os valores lançados contra a MF7 e a MAR Hamburgo são “preliminares” e que “documentos entregues pelos empreendimentos estão passando por reanálise”. A gestão não explicou se isso significa uma diminuição ou aumento do valor total das multas.

    O Metrópoles procurou a MF7 e a MAR Hamburgo, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

    A Secretaria Municipal de Habitação diz que o valor das autuações leva em conta diferentes fatores, como “tamanho do imóvel em situação de irregularidade, o potencial construtivo adicional utilizado pelo empreendimento, tributos e demais encargos”. No total, a soma de todas as multas listadas passa dos R$ 35 milhões.

    Quais endereços renderam multas às construtoras?

    • Av. Eusébio Matoso, 500 – Pinheiros, zona oeste – Multa R$ 17.733.779,16
    • Av. José Maria de Faria, 294 – Lapa de Baixo, zona oeste – Multa R$ 13.319.005,14
    • Rua Alto Garças, 656 – Cidade Patriarca, zona leste – Multa R$ 280.901,19
    • Rua Tenente Coronel Soares Neiva, 168, 172, Vila Matilde, zona leste – Multa R$ 12.324,57
    • Rua Professor Athanassof, nº 31, Vila Matilde, zona leste – Multa R$ 235.984,41
    • Rua Silvio de Moura, 149, Vila Dom Pedro II, zona norte – Multa R$ 642.194,16
    • R. Sodré e Silva, 183 – Jardim Brasil, zona norte – Multa R$ 133.828,26
    • Rua das Tuberosas, 78, Vila Lucia, zona leste –  Multa R$ 493.993,23
    • Rua Major Alfredo Romão, sem número, Pirituba, zona norte – Multa R$ 24.510,39
    • Rua Doutor Odilon Bueno, 175, Cidade Patriarca, zona leste – Multa R$ 170.383,05
    • Rua Doutor Fabio Montenegro, 634, Vila Guilhermina, zona leste – Multa R$ 237.354,21
    • Rua Ines Monteiro, 403, Artur Alvim, zona leste – Multa R$ 162.800,07
    • Rua Lagoa Formosa, 432, Vila Matilde, zona leste – Multa R$ 440.775
    • Avenida Montemagno, 1049, Vila Formosa, zona leste – Multa R$ 17.991,87
    • Rua Alméria, 292, Vila Granada, zona leste – Multa R$ 183.497,40
    • Rua Comandante Juliano Tena, nº 330, Vila Santa Teresa, zona leste – Multa R$ 105.941,73
    • Rua Doutor Azor Montenegro, 145, Vila Mangalot, zona norte – Multa R$ 443.309,37
    • Rua Castanheira, nº 61, Mooca, zona leste – Multa R$ 598.404,15
    • Avenida Luca, nº 370, Chacara Mafalda, zona leste – Multa R$ 141.517,62
    • Rua Xiririca, 990, Vila Carrão, zona leste – Multa R$ 527.544,87
    • R. Catarina Vieira, 72 – Vila Dalila, zona leste – Multa R$ 250.495,17
    • Rua Raimundo Correia, 4, Vila Diva, zona leste – Multa R$ 476.043,81
    • Rua Cavalcanti de Albuquerque, 168,Vila Nhocuné, zona leste – Multa R$ 205.477,38
    • Rua Caranguejo nº 72, Vila Mazzei, zona norte – Multa R$ 276.556,77
    • Rua Santa Teresa do Bonito, 110, Vila Buenos Aires, zona leste – Multa R$ 128.126,10

    Para o vereador Nabil Bonduki (PT), a lista demonstra que a prefeitura tem falhado em acompanhar os casos de empreendimentos que ela mesmo autorizou, já que vários apresentam fraudes. Ele critica, ainda, a demora da gestão em fornecer informações para que a CPI aprofunde os trabalhos.

    “A primeira constatação que a gente pode fazer na CPI é de que a Prefeitura não tem o menor controle do que ela mesmo tá aprovando e não tem esses dados organizados. Tanto que até agora, já faz mais de um mês que a CPI tá funcionando, na primeira reunião foram pedidos informações e até hoje não recebemos várias informações”, afirma o vereador.

    Nesta terça-feira (13/10), estava marcada mais uma sessão da CPI na Câmara Municipal. A comissão é presidida pelo vereador Rubinho Nunes (União) e tem como relator Murillo Lima (PP).