Moradores de Perus, na zona norte de São Paulo, criaram um movimento contra a instalação de um incinerador de lixo no bairro, que preserva remanescentes de Mata Atlântica na capital paulista. O grupo alega que a medida trará impactos negativos para o meio ambiente e para a saúde de quem vive na região, e critica a falta de consulta à população antes da obra.
A instalação do incinerador está em fase de análise na Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), que não informou ao Metrópoles qual o prazo para dar o parecer sobre o caso.
A proposta é defendida pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) como uma solução para lidar com o volume alto de resíduos de São Paulo — a administração municipal alega que mais de 12 mil toneladas de resíduos são coletados na cidade diariamente. Oficialmente o projeto leva o nome de “Unidade de Recuperação Energética (URE) Bandeirantes”.
Para os moradores, no entanto, a obra não deveria seguir em frente sem ouvir quem será impactado por ela. “Eles estão fazendo esse processo debaixo dos panos, não estão dialogando com a população. Isso vai na contramão do que a gente está discutindo na COP”, afirma Cleiton Ferreira, de 41 anos, um dos membros do movimento “Incinerador de Lixo em Perus, não”.



Grupo tem feito reuniões para pensar formas de barrar construção no bairro
Divulgação / Movimento Incinerador de Lixo em Perus, não!
Movimento reuniu diferentes projetos da região e cobra consulta sobre incinerador
Divulgação / Movimento Incinerador de Lixo em Perus, não!
Moradores temem impactos no meio ambiente e na saúde da população
Divulgação / Movimento Incinerador de Lixo em Perus, não!
Relatório de estudo de impacto mostra que áreas afetadas incluem parte do bairro e zona de amortecimento do Refúgio de Vida Silvestre Anhanguera
Divulgação / Movimento Incinerador de Lixo em Perus, não!
Moradores são contrários a incinerador
Divulgação / Movimento Incinerador de Lixo em Perus, não!
Cleiton explica que o incinerador ficará no hoje desativado Aterro dos Bandeirantes, em Perus. O lugar fica ao lado da unidade de conservação Refúgio de Vida Silvestre Anhanguera do Parque Municipal Anhanguera, e também ao lado da Terra Indígena Jaraguá.
“A gente tem se movimentado e tentado entender o que é essa proposta porque, dependendo da proximidade com o território indígena, pode trazer muito impacto. As partículas de lixo podem ser despejadas em cima dos nossos tetos, da nossa cabeça, e a gente vai respirar esse lixo”, afirma Thiago Karai Djekupe, da aldeia Tekoa Yvy Porã.
O Metrópoles teve acesso ao Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) produzido pela concessionária Loga, responsável pelo desenho do projeto do incinerador.
Impactos previstos no projeto
- O documento afirma que, ao mesmo tempo em que terá capacidade para processar mil toneladas de resíduos por dia, o incinerador produzirá cerca de 200 toneladas de resíduos diariamente resultantes da queima. O material será levado para o Aterro de Caieiras, na região metropolitana de São Paulo.
- Segundo o relatório, partículas resultantes do processo de queima, como óxidos de nitrogênio (NOx), serão lançadas para a atmosfera, mesmo com os filtros que seguram parte das emissões. De acordo com o material, as quantidades de partículas liberadas estão dentro do permitido pela legislação.
- Haverá, ainda, aumento da poluição sonora na região e derrubada de algumas árvores para a obra.
- O incinerador vai afetar diretamente a chamada Zona de Amortecimento do Refúgio de Vida Silvestre Anhanguera, região que tem a função de proteger os limites da unidade de conservação.
- Parte do trecho urbano do bairro de Perus aparece como uma das áreas de Área de Influência Direta (AID), sujeitas aos impactos diretos do projeto.
- Já as regiões do Parque Municipal Anhanguera e do Parque Estadual do Jaraguá aparecem como “Área de Influência Indireta (AII)”. Na prática, isso significa que há alguma influência do projeto nesses lugares, mas de forma menos impactante.
Membro do Conselho Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de São Paulo (Cades) e moradora de Perus, a engenheira Sirlei Bertolini Soares diz que o projeto não conversa com as expectativas da população para o terreno do aterro desativado.
“A gente espera que vire um parque de verdade, como o Villa-Lobos, que faça conexão com o Parque Anhanguera. Esse tipo de empreendimento, que eles falam que é uma tecnologia nova, na verdade, para mim, é simplesmente regredir em termos de meio ambiente”, afirma.
Inspiração internacional
A SP Regula, agência da Prefeitura de São Paulo que fiscaliza as concessões da cidade, diz que o projeto em Perus envolverá um ecoparque, que reduzirá o envio de resíduos a aterros sanitários, e se alinha “às práticas de países de referência, como Japão, Suíça, Itália e Dinamarca, promovendo sustentabilidade, inovação tecnológica e desenvolvimento econômico”.
Segundo a imprensa europeia, no entanto, a Dinamarca, citada pela Prefeitura, está planejando a desativação de parte dos seus incineradores com o objetivo de ampliar as taxas de reciclagem e cortar as emissões associadas ao processo de incineração.
Como funcionam os incineradores?
- Os incineradores são abastecidos diariamente com resíduos que iriam para aterros ou reciclagem.
- As máquinas funcionam 24 horas por dia e queimam esses resíduos, transformando-os em cinzas e micropartículas.
- A tecnologia conta com filtros que impedem que parte do material tóxico da queima seja lançado para o ar. Ainda assim, algumas partículas são jogadas na atmosfera.
- Os resíduos sólidos resultantes da queima também precisam ser aterrados.
- Os incineradores se tornaram comuns em países com pouca área para a criação de aterros, como Japão e Dinamarca.
- Nos lugares que contam com o modelo, a energia gerada com o processo de combustão é aproveitada como energia elétrica.
Especialista em Resíduos Sólidos e assessora sênior do Instituto Pólis no tema, Elisabeth Grimberg explica que países europeus têm discutido cada vez mais os impactos dessa tecnologia e buscado investir na meta do “lixo zero”.
“A Europa está migrando para a coleta seletiva, compostagem e reciclagem em escala. Com isso, você desvia aproximadamente 80% de tudo o que se gera nas casas e apenas 20% precisaria ser destinado aos aterros sanitários”, afirma Elisabeth.
Segundo a especialista, parte da preocupação desses países com a tecnologia surgiu após estudos relacionarem as partículas emitidas pelos incineradores à incidência de doenças pulmonares e até câncer nas populações de territórios que contam com a tecnologia.



No Japão, Nunes estudou soluções para lidar com os resíduos nas cidades e foi apresentado a projeto de incineradores do país
Divulgação / Prefeitura
Maquete mostra incinerador em cidade japonesa. Modelo é muito utilizado no país
Divulgação / Prefeitura
Para levar a discussão sobre o tema ao máximo de pessoas do bairro, os moradores de Perus criaram uma página no Instagram com explicações sobre o incinerador e têm marcado reuniões para debater o tema. O grupo também acionou alguns parlamentares.
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O gabinete da vereadora Marina Bragante (Rede) foi um dos procurados pelo movimento. Ao Metrópoles, a parlamentar disse que tentará dialogar com a Prefeitura sobre o projeto.
“[Com o incinerador] você deixa de investir nas cooperativas de catadoras e catadores que já prestam serviço ambiental, que estão na cidade, que precisam deste recurso, para colocar um sistema que é polêmico e que parte do mundo que investiu nisso, desinvestiu. Estão fechando incineradores”, diz a vereadora.
Outro lado
Em nota, a Loga, concessionária responsável pelo projeto do incinerador, diz que o diálogo com a comunidade “faz parte do processo de licenciamento ambiental e já foi iniciado”.
“Nosso compromisso é informar e esclarecer todas as etapas, garantindo que os moradores conheçam os objetivos e benefícios da iniciativa”, diz a empresa, que afirma que possui estudos preliminares para instalar uma segunda URE em outra região da cidade.
Segundo a Loga, o modelo faz parte do planejamento estratégico para “ampliar a capacidade de tratamento e valorização de resíduos de forma descentralizada”.
A Cetesb disse que está analisando o projeto para o licenciamento ambiental do Ecoparque Bandeirantes. “Ressaltamos que, até o momento, não foram emitidas pela Cetesb quaisquer licenças ou autorizações para implantação do empreendimento”, diz a companhia.
Já a Prefeitura de São Paulo afirmou que fará consulta pública com a comunidade sobre o projeto e que ele integra “a modernização dos serviços de limpeza urbana de São Paulo”, com tecnologias voltadas à valorização dos resíduos, como a URE, o Tratamento Mecânico e Biológico (TMB), biodigestores e fazenda solar fotovoltaica.
“Os ecoparques representam um novo marco na gestão de resíduos, alinhado às metas ambientais da Prefeitura e aos princípios da economia circular. O modelo reduz o envio de resíduos a aterros sanitários, amplia a reciclagem, gera energia limpa e contribui para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa, além da geração de emprego”, diz a gestão.




