O Ministério Público de São Paulo (MPSP) tem ao menos 12 ações civis públicas em andamento que apuram possíveis irregularidades em aditivos de contratos para obras em estradas rurais da Secretaria Estadual de Agricultura, firmados em dezembro de 2022, nos últimos dias da gestão do ex-governador Rodrigo Garcia (ex-PSDB).
As ações, abertas pelo promotor Ricardo de Barros Leonel, da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, foram derivadas de inquéritos instaurados após o MPSP receber um relatório feito pela própria pasta, em junho de 2023, que apontava indícios de ilegalidade em cerca de 150 aditivos assinados em contratos do Programa Melhor Caminho, que realiza obras em estradas rurais.
Ao todo, os aditamentos custaram cerca de R$ 50 milhões aos cofres do Estado. De acordo com a própria secretaria, o pagamento teria comprometido cerca de 25% do orçamento do programa previsto para 2023.
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O Metrópoles mostrou que, após a demissão do então secretário à época da denúncia, Antonio Junqueira, e de outros servidores que atuaram na exposição dos possíveis problemas nos aditivos, a secretaria passou a defender a lisura dos contratos.
O promotor, no entanto, afirma que os aditamentos foram feitos de forma ilegal e inadequada, sem atender a requisitos legais e critérios fixados pela administração pública.
“O que ocorreu foram desembolsos injustificados por parte da administração pública e recebimentos indevidos por parte da empresa contratada. Tais valores devem ser restituídos, para que ocorra a reposição do ‘status quo ante’, por configurarem, para além da ilegalidade, lesão ao erário e enriquecimento sem causa por parte da empresa contratada, gerando obrigação de reparação”, afirma Leonel em uma das ações.
Pedidos de bloqueio de bens
Das 12 ações em andamento, três têm como alvo o atual subsecretário de Gestão Corporativa da secretaria, Ricardo Lorenzini. O servidor era chefe de gabinete da secretaria quando os aditivos foram assinados e é apontado como o responsável por aprovar os pedidos de reequilíbrio econômico financeiro dos contratos, liberando os pagamentos.
No âmbito das investigações, o MPSP já pediu três bloqueios de bens de Lorenzini: um de R$ 1,2 milhão, outro de R$ 266 mil e um terceiro de pouco mais de R$ 666 mil, somando cerca de R$ 2,1 milhões. Nas duas primeiras, o pedido de bloqueio chegou a ser aceito pela Justiça. Também foi solicitada a indisponibilidade de bens das empresas envolvidas.
A defesa do servidor, por meio da Procuradoria-Geral do Estado, afirmou ao Metrópoles que os bloqueios já foram revertidos após recurso, mas não apresentou as decisões. Os processos estão em segredo de justiça.
Após ser exonerado no início de 2023, Lorenzini foi renomeado na secretaria como coordenador de administração em outubro daquele ano. Em 2025, ele foi alçado como subsecretário de Gestão Corporativa. O governo Tarcísio de Freitas afirma que não há “decisão transitada em julgado contra o servidor citado, e que sua defesa já apresentou os recursos cabíveis”.
As outras nove ações em andamento têm como alvo o ex-coordenador de logística da pasta, Henrique Fraga. Ao todo, pesam contra ele – e também contra as empresas detentoras do contrato – pedidos de bloqueio de bens que somam R$ 2,8 milhões.
A promotoria pede que os valores supostamente pagos de forma indevida sejam ressarcidos pelos acusados. No caso das empresas, além da reparação, solicita também a aplicação de uma multa prevista na Lei Anticorrupção.
O advogado Fernando José da Costa, que representa Fraga, esclarece que as ações civis públicas ainda estão em curso e que a defesa não apresentou contestação em todas elas. Ressalta, ainda, a regularidade da concessão do reequilíbrio econômico-financeiro, prevista em lei e necessária diante da defasagem de preços causada pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, destacando que não há qualquer imputação de dolo ao servidor público.
O que aponta o Ministério Público
O promotor considerou que os reequilíbrios de contrato foram concedidos sem demonstração adequada de desequilíbrio contratual e partir de pedidos similares.
Entre os fatores apontados, está a concessão do aumento com base em justificativa de eventos externos que ocorreram antes da assinatura do contrato, como a pandemia de Covid-19, a guerra na Ucrânia e a modificação da política de preços de combustíveis.
Além disso, o MPSP afirma que houve ausência de análise individualizada dos pedidos das empresas, com 150 contratos obtendo aumento em bloco no final de 2022, contrariando pareceres emitidos pela consultoria jurídica da própria secretaria e pela Subprocuradoria-Geral do Estado.
No âmbito dos inquéritos abertos para apurar os contratos, o Ministério Público solicitou um parecer técnico de seu órgão especializado, o Centro de Apoio Operacional à Execução (Caex). De acordo com os autos, o órgão “demonstrou não apenas a ilegalidade formal da determinação de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em questão. Demonstrou, igualmente, a impertinência da concessão do reequilíbrio”.
Pontos destacados pela Promotoria
- Número de contratos que receberam decisão favorável ao requerimento de reequilíbrio econômico-financeiro (como já noticiado, cerca de 150 contratos do mesmo programa);
- Curtíssimo espaço de tempo em que se deu a aprovação de todos os pedidos, inviabilizando análise individualizada e efetiva de cada pedido;
- Requerimento ajustado integralmente da empresa foi feito em 6 de dezembro de 2022; a decisão de deferimento do reequilíbrio ocorreu quase instantaneamente, com assinatura do Termo Aditivo em 8 de dezembro de 2022;
- Realização de pedidos padronizados e despachos igualmente padronizados.
Para o MPSP, essa sequência “leva à inevitável conclusão de que não foi feita análise individualizada quanto ao preenchimento ou não dos pressupostos para o reequilíbrio, ocorrendo, ao contrário, deferimento mediante análise meramente formal, uma ‘decisão por atacado’”.
“Note-se que referida decisão foi pronunciada com fundamentação padronizada e genérica”, escreveu o promotor, reforçando o fato de que as alegações de modificação de preços, em todos os contratos, se justificariam pela pandemia de Covid-19, da Guerra da Ucrânia e da modificação da política de preços do petróleo.
Outro fator que corroborou para o avanço das investigações foram os depoimentos dos servidores envolvidos que, de acordo com os autos, confirmaram que não houvera análise individualizada, caso a caso, dos contratos.