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“Não cabe silêncio”, diz mulher após marido receber órgão com câncer

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“Não cabe silêncio”, diz mulher após marido receber órgão com câncer

Quando Geraldo Vaz Junior, de 58 anos, passou por um transplante de fígado em março de 2023, a esposa dele, Márcia Helena Vaz, acreditava que aquela seria uma oportunidade de recomeço para o marido, que tinha hepatite C. Meses depois, um choque: o novo órgão recebido por Junior tinha câncer.

O diagnóstico de adenocarcinoma, um tumor maligno, foi seguido por outra notícia devastadora — a metástase do mesmo tipo de câncer no pulmão. Desde então, Junior passou por um retransplante, faz quimioterapia e, junto com a esposa, luta por respostas.

Ao lado do marido, Márcia decidiu expor o caso. Desde setembro, ela percorre ruas de São Paulo e inunda as redes sociais tentando chamar atenção e cobrar explicações das autoridades.

“Não cabe, nesse caso, um silêncio institucional. Por favor, não cabe. Não cabe porque isso dá margem para que o erro continue acontecendo. O silêncio produz isso: uma margem para que o erro continue acontecendo”, desabafou, emocionada, em entrevista ao Metrópoles.

Veja imagens dos laudos e de Geraldo Junior:

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Geraldo Vaz Junior, de 58 anos

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Ressonância que indicou presença de nódulos no fígado transplantado

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Geraldo enfrenta metástase de adenocarcinoma sem chance de cura, diz esposa

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Paciente e esposa estão movimentando as redes sociais e indo às ruas divulgar sobre o caso

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Exame de DNA feito no Hospital Albert Einstein que aponta origem do adenocarcinoma no fígado transplantado em Geraldo

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relatório anatomopatológico diagnostica o tipo e o grau do tumor

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Relatório Imunohistoquímico ajuda os médicos a confirmar o tipo de câncer e descobrir de onde ele vem (em caso de metástase)

O Decreto nº 9.175/2017, que regulamenta a Lei dos Transplantes (nº 9.434/1997), determina que toda doação de órgãos no Brasil deve ser gratuita e anônima. Por isso, nem a reportagem nem a família de Junior tiveram acesso a dados sobre a pessoa doadora e nem ao local onde os órgãos foram retirados. Márcia, por sua vez, disse ter sido informada apenas de que se trata de uma mulher que morreu vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC).

Exames complementares mostraram que Junior está em metástase sem previsão de cura. Como tratamento, ele deve passar por sessões de quimioterapia, o que considera uma “sentença”.

“Ele tem que fazer [quimioterapia] pro resto da vida dele, porque sempre essa doença vai ter que estar controlada. No melhor do prognóstico, que ela continue controlada enquanto ele viver”, falou Márcia.

O homem, que era técnico de eletrodomésticos antes do diagnóstico, não tem mais condições de trabalhar.

“Primeiro, a gente precisa saber onde ocorreu o erro. E se o erro aconteceu, quem o cometeu. Para depois, a partir dali, partir para um pedido de mudança com urgência acerca do processo. Hoje é o Geraldo, amanhã pode ser o Antônio, depois, o José”, finalizou.

Ministério da Saúde disse acompanhar o caso

A doação e o transplante de órgãos no país são regulamentados e fiscalizados pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT), órgão ligado ao Ministério da Saúde.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que antes da doação “não foram identificados ou apresentados indícios de qualquer problema de saúde nos exames realizados no doador, incluindo a inspeção nos órgãos e abdômen, análise do seu histórico médico e entrevista com a família”. Conforme a pasta, todas as normas e parâmetros internacionais para a realização do procedimento foram cumpridas.

O ministério, no entanto, determinou o acompanhamento de saúde do paciente e afirmou estar monitorando o caso junto à Central Estadual de Transplantes e ao hospital que faz o atendimento. “Até o momento, os exames não são conclusivos sobre a relação causal, que exige uma análise minuciosa. Todas informações do caso estão sendo compartilhadas com a vigilância local, responsável pela apuração do ocorrido”, finalizou o texto.

Procurada, a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo (SES-SP) afirmou que os transplantes de órgãos e tecidos seguem protocolos rigorosos e critérios técnicos definidos pelo Ministério da Saúde. “Os órgãos e tecidos doados devem ser submetidos a exames clínicos e laboratoriais rigorosos, minimizando os riscos de transmissão de doenças entre doador e receptor”, disse a pasta, em nota.

A SES-SP acrescentou que a avaliação clínica dos doadores, bem como todos os exames pertinentes, são realizados pelas equipes médicas e laboratórios habilitadas no hospital onde ocorre a captação dos órgãos a serem transplantados. Isto é, na unidade em que foi constatado o óbito da pessoa doadora.

“Nessa etapa, são aplicados testes obrigatórios para detecção de infecções e doenças, além de inspeção médica detalhada do órgão antes da utilização”, finalizou.

O Hospital Albert Einstein, onde o paciente foi atendido, afirmou que não atuou no atendimento e análise do doador, realizando apenas o acompanhamento de Geraldo Junior no momento e após o transplante.

Casos raros

Segundo a médica e perita Caroline Ditaix, estudos internacionais mostram que casos de transmissão de câncer em doação de órgão são extremamente raros, com incidência inferior a 0,03%. Para ela, apesar da raridade de casos, é um risco inerente ao transplante, “que deve ser balanceado contra o risco de morte na lista de espera”.

“É fundamental ressaltar que o paciente precisa estar plenamente ciente desses riscos antes do procedimento. O processo de consentimento informado deve incluir a discussão sobre a possibilidade, ainda que remota, de transmissão de doenças do doador, incluindo malignidades ocultas”, apontou.

O oncologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Paulo Hoff, reforçou a excepcionalidade do quadro de Geraldo Junior, mas não descartou que “fatalidades” como essa podem acontecer.

Apesar da triagem rigorosa dos órgãos doados —  que inclui histórico médico do doador, exames macroscópicos e laboratoriais, como tipagem sanguínea e sorologias –, tumores ocultos ou micrometástases microscópicas podem não ser detectados pelos métodos de rotina, disse.

Para Hoff, é certo que a doadora teve câncer em algum momento da vida. “Se foi feito o teste e qualificou que veio do doador, não tem jeito, esse câncer veio junto com o fígado. Não é um câncer novo, o doador com certeza teve um câncer em algum momento, e ao ser feita a remoção do órgão, ele tinha células cancerosas presentes”, explicou.

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