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    O que o ex-CFO da Ambipar disse ao se demitir do cargo. Leia carta

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    Apontado pela Ambipar como o responsável pela operação financeira que desencadeou o colapso da multinacional brasileira, João Arruda deixou o posto de CFO em meio a questionamentos de acionistas e credores.

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    A decisão foi comunicada por e-mail, no dia 19 de setembro, logo após o próprio João Arruda convocar uma reunião para tratar do contrato assinado pela Ambipar com o Deutsche Bank.

    A reunião nunca aconteceu. O contrato, por sua vez, introduziu o chamado PIK Bonds (Payment-in-Kind), instrumento financeiro que, de acordo com a Ambipar, exigiu depósitos de valores crescentes e estrangulou o caixa da multinacional.

    A coluna teve acesso ao e-mail enviado por Arruda. O texto foi endereçado ao fundador e acionista controlador da Ambipar, Tércio Borlenghi Junior. O assunto já adiantava o conteúdo: “Comunicação de Renúncia ao Cargo de CFO”.

    Confira a íntegra do e-mail:

    Tercio

    Boa noite

    Desde o início de minha contratação, manifestei a necessidade de sempre ter plena visibilidade de tudo que se correlacionasse com o cargo que ocupo de diretor financeiro e com os temas de interesse da Cia.

    Recentemente estamos tendo embates constantes que decorrem, invariavelmente, da falta da adequada transparência no que se correlaciona com possíveis negócios/operações que você estaria realizando na Ambipar sem me dar qualquer mínima ciência, sem me trazer previamente para troca de opiniões ou pedir-me a realização de uma análise de riscos.

    A Ambipar é uma empresa de capital aberto e está obrigada a seguir regras rígidas de governança e compliance. Isso não é opcional e todas as questões financeiras e comerciais tem que ser compartilhadas a tempo e modo oportunos comigo como CFO, com o Jurídico e o Compliance e isso não está acontecendo, infelizmente!

    A falta de transparência e completude das informações financeiras e operacionais disponibilizadas à toda a Diretoria, não somente a minha pessoa, é algo inaceitável em qualquer empresa, sobretudo em empresas de capital aberto. Conforme você bem sabe, em alguns momentos e mais recentemente dias atrás, estava decidido a deixar a empresa diante desse cenário, dado que fui surpreendido por novas informações no resultado do segundo trimestre e você, além de me garantir que não há nada de errado na empresa, prometeu que nada nunca seria omitido de mim e consequentemente, da nossa auditoria e do mercado.

    Estou sendo surpreendido com questionamentos de bancos, stakeholders, agências de rating, mercado e mídia especializada sobre operações com FIDCs e negócios que você nunca minimamente me interou. Nem sei mais se a posição de caixa da companhia é sólida e se a liquidez é robusta.

    Tão ruim quanto isso, é você e o Thiago se reunindo com bancos, stakeholders, etc, sem me envolverem, novamente criando uma venda sobre meus olhos, e apresentando informações que sequer eu validei. Estou sendo copiado em e-mails enviados a bancos de informações que não tive conhecimento prévio.

    Portanto, eu realmente não tenho como ser parte eminentemente figurativa dessa estrutura de gestão financeira que você está impondo.

    Não vou aqui, até porque não tenho condições de fazê-lo, dizer se ocorreram ou não situações concretas ou qual foi o apetite a riscos assumido, etc, etc, mas é do senso comum de qualquer um que se ocorreram ou estão ocorrendo operações sem que eu seja envolvido na condição de CFO da Ambipar que sou, algo de inusual pode estar inserido nesse contexto.

    Daí porque quero ser totalmente transparente e deixar claro que não concordo e não concorrerei com a prestação de informações incompletas e tampouco vou postergar respostas aos questionamentos que estou recebendo.

    Além disso, recebi a notícia há pouco que você demitiu nosso diretor Jurídico, Mauro Nakamura. Em função da falta de transparência e governança, a Ambipar teve esta semana a avaliação do outlook de crédito rebaixado para negativo pela Fitch e S&P. Um dos comentários claros nos relatórios que existiria a possibilidade de mais perdas no time corporativo e esta sua decisão repentina, em um momento tão delicado, mostra o quão temerário para os acionistas minoritários é esta mudança de rumo. A mensagem que você esta passando para o mercado é de menos governança quando devería estar sendo o contrário e não posso concordar com este movimento.

    Portanto, considerando todo esse contexto, venho renunciar ao cargo de CFO da Ambipar, em caráter imediato e irretratável, pedindo que seja dada a devida visibilidade das minhas razões a quem de direito, a tempo e forma legais.

    Atenciosamente,

    Joao Arruda