O estado de guerra aberto pelo presidente Donald Trump contra a Venezuela de Nicolás Maduro – mais de 10 mil soldados, oito navios, uma dezena de aviões-caça e até submarino nuclear no mar do Caribe – não se limita a exibir força e pressionar o “inimigo”. A maioria dos analistas aponta que os movimentos visam a estimular a cizânia interna para derrubar Maduro e aumentar o poderio americano no país que abriga uma das maiores reservas de petróleo do planeta. Ninguém acredita na balela de combate ao narcotráfico. Seja como for, a escalada do conflito é perigo à vista para o Brasil, que terá de pisar em ovos para não azedar a “química” Trump-Lula.
Será preciso maestria para equilibrar o sagrado direito de soberania de qualquer país, sem dar chance para que isso seja interpretado como apoio ao ditador vizinho. No Itamaraty, a ordem é cautela. Mas há apreensão de gente do governo quanto à língua solta do chefe, que já chegou a dizer que a Venezuela tinha “excesso de democracia”.
Condescendente com o regime bolivariano desde os tempos de Hugo Chávez, o presidente Lula não pode ceder a tentações. Terá de se policiar para não repetir defesas cegas a Maduro, cuja reeleição, fragorosamente roubada, foi contestada pela oposição e pela totalidade das democracias do mundo, incluindo o Brasil. À época, o assessor-chefe especial da Presidência, Celso Amorim, que acompanhou o pleito venezuelano in loco, garantiu que o governo brasileiro só iria reconhecer o resultado da votação após a publicação das atas oficiais, documentos prometidos por Maduro. Mais de dois anos se passaram e nada. Normalizou-se o roubo eleitoral, com a conivência brasileira.
Tampouco há lógica no desejo intervencionista da agora Nobel da Paz María Corina Machado, que, em entrevista à Folha de S.Paulo, sugeriu ao presidente brasileiro o uso de sua influência sobre Maduro para fazê-lo desistir de seguir no comando da Venezuela: “Lula deve dizer a Maduro que é hora de ele ir embora”. A popular líder oposicionista, impedida por Maduro de disputar as eleições e obrigada a viver escondida sob pena de acabar na prisão, elogia os movimentos de Trump, sem descartar a hipótese de ação armada – um contrassenso.
Na primeira declaração depois de o presidente americano alardear a autorização para a CIA agir em solo venezuelano, Lula conseguiu se desviar de cascas de banana, mas raspou no limite máximo: “O que nós defendemos é que o povo venezuelano é dono do seu destino e não é nenhum presidente de outro país que tem que dar palpite de como vai ser a Venezuela ou vai ser Cuba”, disse, sem citar nominalmente Trump.
No mesmo dia, o chanceler brasileiro Mauro Vieira e o secretário de Estado americano Marco Rubio se reuniram em Washington, no primeiro encontro com vistas ao restabelecimento das boas relações Brasil-Estados Unidos, rompidas pelas tarifas e sanções impostas por Trump a autoridades brasileiras. Ainda que nenhuma das punições tenha sido suspensa, já ficou no passado a chantagem trumpista para tentar evitar a condenação do ex Jair Bolsonaro. A expectativa é avançar nas negociações técnicas até um encontro presencial entre Lula e Trump, talvez em novembro. Portanto, o melhor é não haver ruído. Muito menos provocado pela encrenca Trump-Maduro.
Coube ao PT – e isso é legítimo – soltar o verbo contra Trump. Em nota oficial, o partido de Lula considerou as operações secretas da CIA “uma iniciativa inaceitável e deplorável”. Criticou também “o cerco militar que vem sendo praticado contra o povo venezuelano, com execuções sumárias de vidas humanas por forças militares norte-americanas”, consideradas como “prática inadmissível, sem base legal e sem qualquer processo investigativo”.
Oficialmente, o Brasil não se pronunciou sobre os ataques no mar do Caribe, disparados contra as embarcações sem abordagem prévia, sob a alegação não comprovada de serem de narcotraficantes. As ações já explodiram seis barcos, com 27 mortos, incluindo dois pescadores das ilhas de Trinidad e Tobago, segundo seus familiares. Registraram-se dois sobreviventes feitos prisioneiros, sobre os quais os Estados Unidos ainda não forneceram explicações.
Trump costuma agir com ameaças em carga máxima. Lança-as para todo o lado para, ao refluir, postar-se como vitorioso. O mais provável é que o modelo se repita na Venezuela. Cabe ao Brasil, e especialmente a Lula, não cair nas armadilhas do Agente Laranja. Defender a Venezuela e os venezuelanos sem proteger o seu ditador.
Mary Zaidan é jornalista