MAIS

    Pai faz carta aberta no dia do aniversário de filho assassinado por PM

    Por

    Exatos 328 dias após o assassinato de um estudante de medicina por um policial militar durante abordagem em um hotel na Vila Mariana, em São Paulo, em novembro de 2024, os pais de Marco Aurélio Cardenas Acosta fizeram uma carta aberta sobre o caso do filho, que completaria 23 anos nesta terça-feira (14/10).

    Ainda não está definido se os réus, os policiais Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado, serão ou não submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri. A mais recente audiência do caso foi realizada na última quinta-feira (9/10).

    Na carta aberta divulgada nesta terça, o pai do jovem, o médico, Julio Cesar Acosta Navarro, ressaltou que considera o Brasil o país com “a Polícia Militar mais violenta e mais covarde do mundo” e lamentou a impunidade.

    “Hoje devia ser um dia feliz pelo teu aniversário, como sempre foi. Acordo como todo dia, sentindo na alma a falta de teu sorriso, tua voz alegre e tua conversa simples. Lágrimas escorrem no meu rosto ao te pedir perdão, filho, por não ser um pai melhor, por não poder te proteger aquela noite, por ter chegado minutos depois ao atentado. Durante quase 40 anos de médico especializado em urgências, com as minhas próprias mãos e junto à equipe de profissionais de plantão, salvei centenas de vidas, mas eu não consegui salvar a tua”, disse o médico.

    O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou ao Metrópoles que a segunda audiência de instrução do caso foi realizada no último dia 9, encerrando a instrução do processo. Agora, as partes apresentarão suas alegações finais por escrito e, depois de encerrada essa etapa, será decidido sobre o júri.

    Na carta, Julio César lembrou da medida protetiva que os PMs pediram contra ele. “Eles foram protegidos de mim, fugiram e, na sequência, pediram à juíza uma liminar protetiva contra mim. Em que mundo ao avesso vivemos? Chorei de impotência”, admitiu.

    Leia também

    O pai também fez questão de citar outros casos semelhantes ao de Marco Aurélio: “Teu sacrifício, assim como o dos outros jovens inocentes, não será em vão. Vocês se foram para que outros possam ficar”. Ele afirmou ainda que não vai descansar até conseguir a prisão dos agentes e de todos que foram cúmplices da morte de seu filho.

    A Secretaria da Segurança Pública informou que o caso foi investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que encaminhou o inquérito policial à Justiça. A pasta também ressaltou que um dos policiais envolvidos já havia sido indiciado no inquérito da PM por homicídio doloso e permanece afastado das atividades.

    Estudante de medicina assassinado por PM

    Marco Aurélio Cardenas Acosta tinha 22 anos quando foi morto após levar um tiro à queima-roupa de um policial militar durante abordagem dentro de um hotel na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo.

    Uma câmera de segurança do estabelecimento registrou a ação. Pelas imagens (assista abaixo), é possível ver o momento em que Marco Aurélio entra correndo no hotel. Ele está sem camisa. O soldado da PM Guilherme Augusto também entra, logo em seguida, e puxa o jovem pelo braço, com a arma em punho.

    Veja:

    O estudante consegue se desvencilhar, quando outro policial, o soldado Bruno Carvalho do Prado, aparece e lhe dá um chute. O jovem segura o pé do PM, que se desequilibra e cai para trás. Nesse momento, o PM Augusto dá um tiro em Marco Aurélio.

    No boletim de ocorrência, os PMs alegaram que Marco Aurélio Cardenas estaria “bastante alterado e agressivo” e teria resistido à abordagem policial. Além disso, o documento aponta que, “em determinado momento, [Marco Aurélio] tentou subtrair a arma de fogo que o soldado Prado portava, quando então o soldado Augusto efetuou um único disparo, a fim de impedi-lo”.

    As imagens do circuito interno do hotel mostram, no entanto, que o PM Augusto atirou após o soldado Prado dar um chute no estudante, ter a perna segurada por ele e cair para trás, desequilibrado. No vídeo não é possível ver Marco Aurélio tentando pegar a arma do agente – ao contrário do que foi narrado na delegacia.

    Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), antes do momento registrado no hotel, o estudante “golpeou a viatura policial e tentou fugir”. A pasta também informou que os PMs prestaram depoimento, foram indiciados em inquérito e permanecerão afastados das atividades operacionais até a conclusão das apurações – as polícias Militar e Civil apuram o caso.

    Além disso, a SSP afirmou que as imagens registradas pelas câmeras corporais foram anexadas aos inquéritos conduzidos pela Corregedoria da Polícia Militar e pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), apesar de a informação não constar oficialmente no boletim de ocorrência.

    Pais denunciaram à ONU

    Em painel realizado no dia 19 de julho na 59ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), os pais do estudante de medicina pediram a responsabilização do governo de São Paulo pela morte de seu filho e do Estado brasileiro pelas violações de direitos humanos decorrentes da violência policial que ocorre em todo o país.

    Além disso, Julio Cesar Acosta Navarro e Silvia Mônica Cardenas Prado entregaram uma denúncia, realizada juntamente com a entidade Conectas Direitos Humanos, pedindo responsabilização dos policiais envolvidos no caso de Marco Aurélio.

    O Metrópoles obteve o documento com pedidos feitos pelos familiares, entregue à ONU.

    Veja os pedidos:

    • Que o Estado seja questionado pela morte do jovem, especialmente pelas ações inconstitucionais dos PMs Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado.
    • Que o Estado seja indagado sobre quais protocolos são empregados para prevenir o uso de força letal.
    • Que o Estado seja recomendado a garantir investigações transparentes e imparciais conduzidas por órgãos autônomos.
    • Que o Estado abstenha-se de julgar crimes cometidos contra civis, se responsabilizar como Estado, incluindo a cadeia de comando, pela morte de Marco Aurelio Cardenas Acosta.
    • Que sejam garantidos cuidados mentais e físicos para a família das vítimas, além da não criminalização e ameaças aos familiares.
    • Que sejam adotados protocolos para gravar, armazenar e acessar as imagens das câmeras corporais nos uniformes policiais e implementadas medidas para assegurar que o caso não se repita.
    • Que seja reiterada a criação de um plano para reduzir a violência policial e letalidade no Estado.