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    Plantio de espécies da Amazônia em bosque de SP traz risco ambiental

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    Neste mês, a Prefeitura de São Paulo plantou mil árvores no futuro Bosque Urbano Andorinha, localizado na Praça Altemar Dutra, no Ipiranga, zona sul da cidade. A lista de espécies elaborada pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), obtida pelo Metrópoles, inclui não apenas mudas nativas dos dois biomas da capital, a Mata Atlântica e o Cerrado. De acordo com especialistas consultados pela reportagem, a lista englobou exemplares de outros biomas e até espécies que causam desequilíbrio ecológico.

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    Espécies inadequadas

    O reflorestamento urbano se tornou uma questão de sobrevivência diante da crise climática, especialmente pelo conforto térmico, melhora na qualidade do ar, controle de enchentes e ampliação da biodiversidade. A escolha certa das espécies nesse tipo de iniciativa é fundamental para esse equilíbrio ambiental.

    Para a ação mencionada, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo alega que escolheu apenas espécies do Cerrado e da Mata Atlântica. Conforme análise de especialistas, na lista, há realmente mudas indicadas para a região, como canjarana (Cabralea canjerana), canafístula (Peltophorum dubium), capixingui (Croton floribundus), embira-de-sapo (Lonchocarpus muehlbergianus) e guarantã (Esenbeckia leiocarpa), entre outras.

    No entanto, também constam espécies inadequadas para o bioma paulistano: pantaneiras e principalmente típicas da Amazônia, de floresta úmida, como Clitoria fairchildiana, Swietenia macrophylla e Lophanthera lactescens.

    De acordo Gregório Ceccantini, docente de morfologia e anatomia vegetal do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), as árvores amazônicas precisam de chuva intensa para sobreviver. “Temos uma estação seca muito demarcada em São Paulo, tanto que a gente tem estiagem e problemas de abastecimento, então plantar espécies amazônicas [em SP] não é muito inteligente. A seca é um fato natural do sistema em que se vive em São Paulo. Outra questão é que nenhuma dessas espécies tolera geadas e temperaturas muito baixas, por isso morrem”, detalha. “Elas também não vão ter o polinizador correto. Vão fornecer um fruto que não tem o dispersor [para distribuição da espécie] correto”, complementa.

    Para o botânico, o jequitibá-vermelho (Cariniana rubra) também não deveria ser plantado na cidade ou mais especificamente em um bosque, como foi feito pela administração municipal. “Além de ser amazônica, é uma espécie gigantesca; tem o porte grande demais”, detalha o professor doutor.

    Segundo o especialista, inclusive entre as espécies incluídas na ação que são do Cerrado, há algumas inapropriadas para São Paulo por serem de Goiás, como a guariroba (Syagrus oleraceae), ampliando os desafios e incertezas. “Já a Astronium graveolens é uma aroeira lá do sertão de Mato Grosso”, acrescenta Ceccantini.

    “Formigas-de-fogo”

    Também plantada em SP pela prefeitura, a Triplaris americana, chamada popularmente de novateiro, atrai a presença de “formigas-de-fogo”. “Imagine um lugar em que crianças brinquem e a planta é protegida em todos os galhos por formigueiros. E são formigas que picam muito doído”, reforça. Outra espécie em que há presença do inseto é a Cecropia pachystachya, oriunda principalmente de Mato Grosso, e escolhida pela secretaria para a ação paulistana.

    Segundo a paisagista Pam Faccin, na lista da secretaria, há até espécies que se proliferam de forma descontrolada e prejudicam a biodiversidade. Na avaliação dela, há uma redução de danos quando essas mudas são plantadas entre muitas árvores, mas os malefícios não são anulados. “O certo seria a prefeitura não ter considerado e muito menos plantado essas espécies”, avalia. “Deveria haver normas, as listas de espécies deveria ser atualizada.”

    O plantio de mudas inadequadas pode causar erosão e extinção, alterar nutrientes do solo, reduzir habitats para animais e polinizadores. Os prejuízos englobam até o aumento do risco de incêndios e inundações.


    Indisponibilidade de mudas

    Em geral, entre os problemas encontrados no processo de plantio urbano, de acordo com Gregório Ceccantini, está sobretudo a falta de disponibilidade de mudas adequadas. Trata-se de um problema ambiental estrutural.

    “A Prefeitura de São Paulo tem viveiros no Ibirapuera e em Cotia que não conseguem produzir o tanto que a cidade precisa, então ela acaba comprando mudas. Ou, por exemplo, alguém que causa dano ambiental e a multa é dar mudas. As mudas tinham que ter um tamanho mínimo de 2 metros de altura e 5 centímetros de diâmetro, mas é absolutamente difícil de encontrar”, avalia o botânico docente da USP.

    Árvores plantadas pela prefeitura

    A iniciativa faz parte do programa São Paulo + Verde. Segundo a prefeitura, o projeto já ultrapassou a marca de 100 mil exemplares plantados neste ano.

    “Somente nos dez bosques urbanos que estão prontos na cidade, já foram plantadas mais de 6,3 mil árvores e a meta é encerrar 2025 com 120 mil mudas plantadas em toda a cidade”, informou a pasta.

    Na ação do fim de semana no Ipiranga, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) chegou a participar. Ele plantou mudas e celebrou a iniciativa: “Plantio de mil árvores e com toda a comunidade participando, isso é maravilhoso”.

    Procurada, a SVMA informou que a lista de mudas fornecida foi elaborada “com base em análise técnica, em conformidade com as diretrizes legais e com o Plano Municipal de Arborização Urbana (PMAU), que estabelece o uso preferencial de espécies nativas do município de São Paulo, conforme as portarias nº 39/SVMA/2024 e nº 26/SVMA/2024”.

    “A seleção considerou as características ecológicas da área e o objetivo de implantação de um bosque urbano, voltado à preservação da biodiversidade, e à oferta de recursos alimentares para a fauna local. As espécies escolhidas atendem a esses critérios, visando garantir o equilíbrio ecológico e a funcionalidade ambiental do espaço”, disse a pasta em nota.