Após passar em primeiro lugar para atuar como professora na Universidade de São Paulo (USP), a doutora em literatura Erica Bispo, de 45 anos, deparou-se com a invalidação do concurso público. Outros seis candidatos acionaram o Ministério Público (MP) e a instituição educacional para questionar a qualificação dela para o cargo e solicitaram que a banca de avaliação fosse anulada. Para a aprovada, trata-se de um caso de racismo estrutural.
“Eu me sinto injustiçada e frustrada. É uma sensação que é complicada até de pensar. Quando se anula um concurso, é uma derrota inclusive para a instituição. Os alunos estão sem professores”, destaca, em entrevista ao Metrópoles.
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Concurso anulado
O certame para docente de literaturas africanas de língua portuguesa ocorreu em junho de 2024. Erica Bispo foi a única pessoa negra a participar. “Seis candidatos brancos alegaram que eu não tenho capacidade para ser professora da USP e que eu tive favorecimento”, conta. “Tenho 20 anos de carreira. Como é um recurso coletivo, ficou ainda mais evidente o caráter discriminatório”, completa.
Em julho do ano passado, a candidata foi notificada por e-mail de que havia um processo administrativo aberto em relação à vaga conquistada. No texto, os concorrentes contestam o “volume da produção científica”, assim como pontuação atribuída a ela pela banca.
Erica respondeu oficialmente dentro do prazo estabelecido, ainda em dezembro, inclusive por meio de manifestação técnica elaborada por advogados. No entanto, de acordo com ela, o documento não foi incluído no processo.
Para a carioca, uma narrativa foi construída na intenção de culminar na anulação do concurso. A invalidação, segundo a aprovada, é baseada na ideia de uma relação íntima entre ela e duas professoras da banca. No recurso, os outros concorrentes teriam anexado fotos postadas em redes sociais em que Erica Bispo aparece ao lado das avaliadoras.
“São fotos em grupo e que definitivamente não provam uma amizade”, garante Bispo. “A banca foi composta por cinco professores e todos me deram notas consistentes e altas o tempo inteiro”, acrescenta.
Depois do cancelamento do certame pela Procuradoria Geral da Universidade de São Paulo, a candidata que havia sido aprovada acionou a Justiça, em abril deste ano. O processo judicial está em andamento. Em julho, o Ministério Público arquivou a ação ajuizada pelos concorrentes.
Mudança interrompida
Nascida no Rio de Janeiro, Erica Bispo estava organizando a própria mudança para a capital paulista após passar para ser docente da USP. A aprovada chegou a fazer exames médicos exigidos pelo processo de contratação e até a procurar imóveis para moradia.
Contudo, os planos viraram uma incerteza. “Eu adoeci, não conseguia comer. Tive uma infecção muito grave de cunho emocional”, lamenta. “A USP abriu novamente a vaga por meio de outro concurso. Isso pode tornar o meu caso irreversível”, indigna-se.
O que diz a USP
Em nota, o diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, professor Adrián Pablo Fanjul, informa que o resultado do concurso foi homologado, mas outros candidatos fizeram recurso a uma instância superior, o Conselho Universitário.
“Esse órgão superior, que é o máximo da universidade, anulou o concurso porque considerou que havia indícios de relações de proximidade da candidata aprovada e indicada com pessoas integrantes da banca. Essa conclusão teve embasamento em postagens em redes sociais em que, além de fotos, havia expressões de amizade”, enfatiza, em nota.
A faculdade confirma que a contratação de Erica Bispo foi iniciada, mas cancelada após decisão do conselho. “O motivo foi a ponderação sobre o relacionamento que as postagens em redes sociais mostram. Sendo uma decisão do Conselho Universitário, a FFLCH não tem como reverter, tem que ser revertida na Justiça”, ressalta.
Ainda conforme a USP, no momento da inscrição, houve três candidatos autodeclarados negros, mas apenas Erica Bispo realizou as provas do concurso. Os demais concorrentes pretos não compareceram.
“O concurso foi reaberto, as inscrições estão em andamento, e a direção da FFLCH espera que Erica se inscreva”, finaliza a faculdade.