“Quer correr a 100ª São Silvestre? Compartilha, curte o vídeo e marca dois amigos nos comentários! Sorteio em novembro!”. O texto pode parecer de um influenciador, mas, na verdade, foi publicado pelo secretário municipal de Esportes e Lazer de São Paulo, Rogério Lins (Podemos), no perfil dele no Instagram.
A legenda acompanha um vídeo no estilo “tiktoker”, em que o político aparece girando uma garrafa no chão, como num jogo. Do lado esquerdo da imagem, um texto diz: “Inscrições encerradas”. Do lado direito, aparece a mensagem: “Sorteio de Kit”. Quando a garrafa para, Lins chuta o objeto e conta como seus seguidores podem ter acesso gratuito ao evento.
“O sorteio será dia 21 de novembro. Serão quatro inscrições sorteadas, numa edição histórica que terá mais de 50 mil corredores. Eu estarei lá e espero vocês. Marca todo mundo e curte, compartilha esse vídeo”, diz o secretário.
Veja:
A publicação foi feita dias depois de corredores reclamarem nas redes sociais por não terem conseguido vaga no evento deste ano, cujas inscrições variaram de R$ 319,90 a R$ 990,90, dependendo do kit comprado. Não fica claro no post de Lins qual será o kit sorteado.
O vídeo da São Silvestre não é o único em que o secretário fornece entradas para eventos ligados à área em que atua na prefeitura. O Metrópoles encontrou outros três casos de corridas privadas que tiveram inscrições oferecidas da mesma forma.
De corrida a roda-gigante
- O sorteio mais recente foi na última quinta-feira (9/10) e deu acesso à Corrida Cartoon Network, que acontecerá em Santana, na zona norte da cidade, neste domingo (12/10). As edições do Circuito das Estações – Etapa Inverno e da Superman Run, em junho, também foram sorteadas na página dele no Instagram.
- Em todos os casos, a participação no sorteio é vinculada aos comentários dos seguidores, que devem marcar outros perfis, curtir o vídeo e compartilhar o conteúdo.
- Em agosto, o secretário fez ainda o mesmo tipo de sorteio para oferecer entradas gratuitas à Roda Rico, roda-gigante instalada no Parque Villa-Lobos, na zona oeste da cidade de São Paulo.
- “É uma ótima opção para você vir com seus amigos, com a sua família e com a sua namorada”, diz o político, em um vídeo que reproduz características comuns às publicidades feitas por influenciadores, com Lins destacando as “várias opções” da praça de alimentação e dando sugestões sobre o passeio aos seguidores.
- No Dia das Mães, o secretário sorteou ainda jantares em restaurantes de Osasco, cidade onde foi prefeito por oito anos.
Risco de improbidade administrativa
As promoções de eventos na capital paulista chamam atenção pela relação que o político tem com as marcas enquanto secretário. Dias depois de divulgar o vídeo do sorteio da São Silvestre, por exemplo, Lins publicou foto se reunindo com representantes do evento em seu gabinete. Para acontecer na cidade, as corridas precisam de autorização da prefeitura.
Professor de Direito da Faculdade Getúlio Vargas, Mario Schapiro diz que as publicações colocam em dúvida a relação do secretário com as empresas das corridas. “Ele está leiloando bens que ninguém tem acesso. A pergunta a se fazer é: por que só ele tem acesso? Por que só ele tem acesso a quatro inscrições da São Silvestre quando as inscrições se encerraram em um único dia?”
Para Schapiro, caso se demonstre que o secretário está sorteando benefícios que ele obteve em função do cargo, ele poderia responder por improbidade administrativa.
“Tem um conflito de interesses evidente aqui. Ele está ganhando esses benefícios porque é secretário e se valendo dessa posição para ganhar seguidores nas redes sociais. Se ele for candidato a deputado federal e estiver aumentando sua base de seguidores, esses ingressos foram um ativo que garantiram a ele um benefício eleitoral. Outros candidatos não tiveram acesso a isso.”
Para o cientista político Marco Teixeira, a publicação da São Silvestre é a mais sensível porque faz uma menção direta à gestão municipal. “Fica muito evidente que sem essa proximidade com o prefeito, com a máquina pública, ele não estaria fazendo isso”.
Já para o professor Fernando Neisser, também da FGV, o secretário pode utilizar a rede privada para esse tipo de publicidade, desde que não esteja trocando benefícios com as empresas, como oferecer vantagens aos empresários.
“Não há nenhuma proibição que um agente público faça publicidade privada em suas redes, inclusive com o intuito de aumentar o número de seguidores, desde que não faça isso a custo de recursos públicos”.
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O que diz o secretário Rogério Lins
O Metrópoles questionou o secretário, a Prefeitura de São Paulo e as empresas envolvidas nas organizações dos eventos. Em nota, a assessoria de imprensa de Rogério Lins disse que os sorteios realizados nas redes do secretário “têm como objetivo aproximar as pessoas das atividades esportivas e culturais”.
“As experiências oferecidas foram disponibilizadas pelos organizadores, sem qualquer tipo de conflito, benefício ou vínculo comercial”, diz a assessoria do secretário.
Questionada sobre por que o secretário vincula os sorteios a comentários, curtidas e compartilhamentos em sua página pessoal, a assessoria respondeu que o formato visa “ampliar o alcance das postagens, de modo a incentivar a participação nas atividades esportivas e culturais, e a viabilizar tecnicamente o sorteio nas plataformas utilizadas, que exigem essa interação para a seleção automática e transparente dos participantes”.
Já a Prefeitura de São Paulo respondeu, por meio da Secretaria de Esportes e Lazer, dizendo que as publicações mencionadas foram realizadas nas redes sociais pessoais do secretário, “não tendo qualquer vínculo institucional com a prefeitura ou com esta secretaria”.
“O secretário ressalta que a iniciativa teve como único objetivo divulgar e ampliar o acesso da população às ações esportivas e culturais promovidas na cidade. As experiências divulgadas foram oferecidas espontaneamente pelos organizadores dos respectivos eventos, sem utilização de recursos públicos, benefício pessoal ou relação comercial”, termina a nota da pasta.
O Metrópoles perguntou para os organizadores das corridas e da Roda Rico sobre a oferta dos acessos aos eventos para o secretário, se ele havia comprado as inscrições, e se houve alguma negociação de publicidade com Lins.
Em nota, a organização da São Silvestre disse que Lins “não efetuou qualquer tipo de compra de inscrições” e que não houve qualquer contratação ou empenho de recursos financeiros da organização para os fins questionados pela reportagem.
“A organização da Corrida Internacional de São Silvestre informa que a distribuição gratuita de inscrições a instituições e parceiros de suporte e divulgação da prova, como a Secretaria de Esportes e Lazer de São Paulo, é um procedimento comum em eventos esportivos desta natureza. Faz parte da promoção e do aumento de alcance social das atividades, visando ao apoio mútuo à realização da corrida”.
A organização afirmou, ainda, que “reitera seu compromisso com a transparência e a ética, reforçando que a distribuição de cortesias segue normas internas estabelecidas para a promoção e sucesso do evento”.
O Metrópoles não recebeu resposta das organizações das corridas Cartoon Network, Superman Run e Circuito das Estações. O espaço segue aberto para manifestação.
Já a Roda Rico disse que tem uma política institucional de cortesia limitada destinada a “ações de relacionamento com imprensa, influenciadores, entidades e autoridades que contribuem para a divulgação espontânea do turismo e lazer em São Paulo”.
“Os convites são pontuais e seguem critérios de representatividade, sem qualquer vínculo político, contratual ou publicitário. No caso citado, não houve contratação nem parceria comercial com o secretário mencionado”, termina a nota.
