A contaminação de bebidas alcoólicas por metanol tem provocado internações e mortes, bem como alterado o hábito de donos de bares e consumidores. Entretanto, em ruas de comércio popular de São Paulo, desde sempre é possível encontrar produtos como “pingas de piada”, aguardente com bicho dentro da garrafa e cachaças “de Minas” sem identificação de procedência ou qualquer indicação de registro.
O Metrópoles passou durante a semana pelo Brás, na região central, e Largo 13, em Santo Amaro, na zona sul, e encontrou bebidas sem a definição de origem, com venda livre, penduradas pelos corredores ou em prateleiras das lojas. Rótulos, só de brincadeira.
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Cachaças vendidas em região de comércio popular de São Paulo
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Um exemplo são as “pingas de piada”, que têm os rótulos cheios de trocadilhos de cunho sexual e parte deles com conteúdo politicamente incorreto, para “presentear os amigos”. A criatividade não tem limite e muitas caberiam perfeitamente em músicas do passado feitas por Genival Lacerda. “Amansa Corno”, “Nabundinha”, “Pau do Índio”, “Xixi de Virgem” e a “japonesa” “Noku” são alguns exemplos.
Responsáveis por envasar uma das pingas encontradas pela reportagem não tiveram nem mesmo o trabalho de remover o rótulo de uma famosa marca de cerveja da garrafa verde. Colaram por cima mesmo. O “lacre” é um papel alumínio, que pode ser colocado e retirado sem esforço. O aroma é de cachaça, mas o sabor, no lábio, é levemente aguado, segundo conhecedores.
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Além das “pingas de piada”, a reportagem encontrou também aguardente com bicho dentro da garrafa. Com preços que variam entre R$ 40 e R$ 80, elas contam com lagosta ou caranguejo no interior dos vasilhames. Também são conhecidas aquelas que têm cobras no interior, mas essas não foram localizadas na última semana.
Outra variedade de bebida alcoólica é a cachaça dentro de garrafas de vidro que lembram veículos, o que pode, inclusive, atrair a curiosidade de crianças. Tem de van escolar, do “Sedex”, da “Coca-Cola” e até a versão “Herbie”, do filme “Seu Meu Fusca Falasse”.
No caso das “pingas de piada”, alguns rótulos trazem a inscrição “estive em Juazeiro, lembrei-me de você”, mas é só parte da brincadeira. Não há certeza de nada. Em alguns casos, nem mesmo os comerciantes sabem dizer onde foram fabricadas, e chutam Minas Gerais ou estados do Nordeste como o local da procedência.
Riscos
Chefe do departamento de medicina preventiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Zila Van Der Meer Sanchez afirma que, no processo de destilação, bebidas como a cachaça se separam em três partes.
“A ‘cabeça’, que contém metanol e deve ser descartada. O ‘coração’, que é a fração de melhor qualidade. E a ‘cauda’, rica em resíduos que afetam o sabor e podem ser nocivos”, diz. “Quando o produtor não tem experiência ou ignora essas etapas, acaba misturando tudo, e o resultado é uma bebida que pode carregar junto com o etanol quantidades perigosas de metanol e outras substâncias tóxicas”, afirma.
Sobre as bebidas com animais dentro da garrafa, Zila diz que, na visão popular, o álcool “limparia” os microorganismos, mas não é isso o que acontece. “O corpo do animal em contato prolongado com o álcool libera toxinas naturais, como venenos de répteis ou substâncias presentes em crustáceos, que não são totalmente neutralizadas pela bebida”, diz.
Segundo Zila, há a formação de compostos químicos derivados da decomposição dos tecidos, capazes de sobrecarregar fígado e rins e provocar efeitos adversos no sistema nervoso. Existe o risco de que venham a causar paralisia, convulsões ou falência respiratória. “Como em geral essas bebidas são produzidas sem fiscalização ou padrões sanitários, não há garantias de segurança, tornando o consumo um ato de alto risco para a saúde”, afirma.
Sem origem
Advogado do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Igor Lodi Marchetti diz que o consumo de bebidas desconhecendo a origem é muito perigoso, porque não fica evidente a procedência e sequer certificações pelas quais o produto tenha passado.
“Nesse caso, importante ressaltar que o comerciante é plenamente responsável pelo produto oferecido, conforme disposto no artigo Art. 13, I e II do Código de Defesa do Consumidor. Importante destacar ainda que o fornecedor tem o dever de garantir o bom estado dos produtos, sendo inclusive sendo crime conforme disposto no artigo 272 do Código de Penal”, afirma Marchetti.
O advogado diz que quem verificar a comercialização desse tipo de produto pode acionar a Vigilância Sanitária e o Procon. Se a pessoa ingerir a bebida e sentir sinais estranhos, deve procurar o hospital e, posteriormente, registrar boletim de ocorrência.
Segundo o artigo 7º do Código de Defesa do Consumidor, cabe responsabilização de toda a cadeia produtiva, como fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes.
O que dizem prefeitura e SSP
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) diz que a fiscalização de bebidas caseiras compete à prefeitura e à vigilância sanitária.
A Secretaria Municipal da Saúde (SMS), por meio da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), diz que a Vigilância Sanitária é responsável pela fiscalização do comércio varejista (restaurantes, bares, lanchonetes, adegas, comércios varejistas de bebidas, etc.) e distribuidores e atacadistas de bebidas, verificando a procedência, se possui o lacre de segurança e a integridade e legibilidade da rotulagem das bebidas alcóolicas, se apresenta todas as informações obrigatórias (dados do fabricante/importador, lote, registro no órgão oficial), bem como a manipulação dessas bebidas (preparo de drinks).
A responsabilidade de conceder o registro e fiscalizar os estabelecimentos produtores e envasilhador/engarrafador é do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), que estabelece os parâmetros e as normas de identidade e qualidade para diversos tipos de bebidas, incluindo vinhos e bebidas alcoólicas destiladas.