Antiga Multilaser, a Multi venceu parte de um megaedital do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com lotes que somam R$ 321,2 milhões. Parte desse valor deve chegar, indiretamente, ao secretário da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP), Renato Feder, acionista da companhia. O certame ainda enfrenta questionamentos acerca do cumprimento de cota de PCDs na empresa.
Os lotes vencidos pela Multi preveem o fornecimento de 166 mil notebooks, que podem ser distribuídos a escolas públicas de todos os estados. Dessa forma, segundo o edital, fazem parte da compra todas as secretarias estaduais e municipais de Educação.
Procurada, a Seduc-SP afirmou que optou por se excluir da compra dos notebooks. O FNDE confirmou: “Não houve manifestação formal de demanda por parte da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo na origem do processo licitatório”.
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Feder é dono de 28,16% das ações da Multi. Na estrutura societária, ele perde somente para Alexandre Ostrowiecki, que tem 41,05%. Tal relação foi questionada pela Daten Tecnologia, uma das participantes do edital. Mas o FNDE optou por não desclassificar a companhia nesses lotes.
O edital prevê um registro de preços, ao qual cada secretaria municipal ou estadual de educação pode aderir de acordo com a demanda. “Cabe a cada ente federado decidir se realizará ou não a aquisição dos itens disponibilizados, inclusive levando em consideração possíveis conflitos de interesse”, informou o FNDE.
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Dos sete lotes previsto no edital, a Multilaser fez propostas para cinco. Levou dois e foi desclassificada em três. Os que saiu como vencedora preveem o fornecimento de:
- 49.174 notebooks com: tela superior a 14 polegadas; sem interatividade da tela; memória RAM superior a 8gb; 4 a 8 núcleos por processador; sem disco HDDgb; armazenamento SSD de 110 a 300; bateria de até 4 células; alimentação bivolt automática; sistema operacional do proprietário; garantia on site de 36 meses.
- 116795 notebooks com: tela até 14pol; sem interatividade da tela; memória RAM de 4 a 8gb; 4 a 8 núcleos por processador; sem disco HDDgb; armazenamento SSD de 110 a 300; bateria de pelo menos 40 wh; alimentação bivolt automática; sistema operacional do proprietário; garantia on site superior a 36 meses.
Descumprimento de cotas
O FNDE e a própria Multi reconheceram que a empresa venceu a ata de registro de preços sem cumprir a cota mínima de pessoas com deficiências no quadro de funcionários, que é de 2% a 5% para empreendimentos com mais de 100 empregados. Isso foi possível graças a uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que reconheceu dificuldades para cumprimento dessa regra no município de Extrema (MG), onde fica sua principal unidade industrial.
Antes, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT10) chegou a derrubar uma limitar anterior para a Multi participar de editais públicos, mesmo sem o cumprimento da cota de PCDs. A própria companhia reconheceu a falha, mas apontou que não tem culpa. Alegou falta de profissionais com deficiência, além de limitações de infraestrutura e concorrência no município de Extrema (MG), onde fica sua principal unidade industrial.
O Ministério Público do Trabalho chegou a reconhecer a inviabilidade da cota no caso da Multi, mas o TRT entendeu que a empresa fez uso da liminar para não fazer uma busca ativa por funcionários PCDs.
A Daten questionou tal avaliação. “A sede da Multilaser está localizada na cidade de São Paulo, portanto não há de se alegar a falta de disponibilidade de mão de obra que atenderia o percentual obrigatório de reserva e preenchimento de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social”, diz a empresa num recurso enviado ao FNDE e rejeitado.
“A tentativa da Multilaser de generalizar sua condição local em apenas um dos municípios onde atua, desconsiderando deliberadamente a sede e demais unidades, reforça a má-fé da empresa e a estratégia de ocultação da real situação de inadimplência”, completou.
Tal problema também foi questionado pela senadora Mara Gabrilli (PSD-SP). Em ofício enviado ao ministro da Educação, Camilo Santana, a parlamentar pediu explicações diante do relato que a companhia “não cumpre o artigo 93 da Lei de Cotas, que determina às empresas com cem ou mais empregados a preencherem uma porcentagem de seus cargos com pessoas com deficiência”.
O que diz o FNDE
O FNDE afirmou que “as atas de registro de preços disponibilizadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) têm como objetivo facilitar, padronizar e garantir a aquisição de equipamentos de qualidade pelos entes federativos, de forma simplificada, por meio de uma contratação nacional unificada. A adesão a essas atas, contudo, é voluntária, não havendo investimento por parte do FNDE nessa aquisição. Cabe a cada ente federado decidir se realizará ou não a aquisição dos itens disponibilizados, inclusive levando em consideração possíveis conflitos de interesse”.
Ainda citou que “no caso do Pregão Eletrônico nº 90007/2025, não houve manifestação formal de demanda por parte da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEDUC/SP) na origem do processo licitatório”.
Sobre o descumprimento da cota, o FNDE pontua que o “Tribunal de Contas da União (TCU) admite que licitantes possam justificar o descumprimento da cota por fatores externos, como consta nos acórdãos nº 523/2025-Plenário e nº 2209/2025-Plenário”.
“No Pregão 90007/2025, a MULTI apresentou ampla documentação de seus esforços: envio de ofícios a entidades, contratação de empresa especializada (INKLUA) e divulgação de vagas em redes sociais, além de sentença proferida pelo TRT 3 reconhecendo que a empresa MULTI não preencheu integralmente a cota legal de pessoas com deficiência (PCDs) por dificuldade em encontrar candidatos, e não por omissão”, completou.
Multi nega problemas
Confira a nota da empresa:
“O Grupo Multilaser, um dos maiores fabricantes de equipamentos educacionais do país, apresentou, já na primeira convocação, toda a documentação de qualificação técnica exigida pelo Edital, cumprindo integralmente todos os requisitos estabelecidos.
A licitação em questão foi conduzida pelo FNDE, órgão federal, sem qualquer vínculo com o Governo do Estado de São Paulo. Dessa forma, não procede qualquer alegação sobre eventual conflito de interesse. Também esclarecemos que o Grupo Multilaser é uma companhia de capital aberto, listada em bolsa de valores, com mais de vinte mil acionistas de diferentes perfis e portes. O atual Secretário de Educação do Estado de São Paulo não exerce nenhuma função executiva desde 2019 e deixou de integrar o Conselho de Administração em 2022.”