As suspeitas de irregularidades em contratos do programa Melhor Caminho, da Secretaria de Estado da Agricultura, vão além dos cerca de 150 aditivos assinados nos últimos dias de dezembro de 2022 na gestão do ex-governador Rodrigo Garcia (sem partido), no valor de R$ 49 milhões.
De acordo com um ofício encaminhado pelo então secretário Antonio Junqueira ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), em agosto de 2023, já na gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), houve duplicidade de pagamento para a execução de um mesmo trecho de obra no município de Itajobi, além da suspeitas de fraude na comprovação do início de obras.
Os indícios de irregularidades levaram à abertura de 147 inquéritos e ao menos 12 ações pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP). Os contratos fazem parte do programa voltado a melhorias de estradas rurais em São Paulo.
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De acordo com a apuração interna feita pela pasta à época, e encaminhada ao Ministério Público, os trechos relativos ao município integravam duas concorrências distintas, que resultaram em duas contratações com o mesmo objeto.
“O fiscal decidiu dar prosseguimento ao contrato firmado e justificou como tendo a obra sido licitada com um valor menor, posteriormente o mesmo funcionário autorizou que fosse dado o reequilíbrio à empresa, adicionando quase R$ 145 mil ao valor da obra”, diz trecho do relatório obtido pelo Metrópoles.
Segundo o ofício, uma sindicância foi aberta pela secretaria para apurar a conduta de dois servidores responsáveis pela assinatura dos contratos. Junqueira argumenta no documento que, embora a Procuradoria-Geral do Estado tivesse recomendado o arquivamento da sindicândia, já que a lei estadual proíbe a medida contra funcionários já exonerados, como era o caso, a responsabilidade administrativa seria “independente”, enquanto os prejuízos ao erário estadual estariam já sob a apuração da secretaria.
O ex-secretário também afirma no documento que foi detectada uma mudança de trecho relacionado a outro contrato, referente ao município de Palestina. Para esse caso, a secretaria disse que havia proposto a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD).
Os servidores responsáveis pelas apurações internas foram exonerados em meio às trocas no comando da pasta. Eles também identificaram possíveis fraudes nos primeiros pagamentos de obras do programa por meio da emissão de ordens de serviço com base em fotos iguais para diferentes e diversas localidades.
Essa manobra permitiu o pagamento dos primeiros serviços, tornando possível o empenho dos recursos para as obras.
O então secretário afirma ainda no documento que havia pedido a suspensão imediata das ordens de serviço expedidas porque as contrapartidas das prefeituras não teriam sido totalmente realizadas. Em geral, essas contrapartidas se referem a ações “preparatórias” para a realização da obra, como a retirada de cercas e a remoção de barrancos localizados em terrenos particulares.
Medidas administrativas
- O ofício de Junqueira foi feito em resposta a um pedido do Tribunal de Contas sobre quais medidas a pasta já havia tomado após identificar as possíveis irregularidades nos contratos.
- Entre as ações, o então secretário afirmou que havia revogado resoluções que permitiam que coordenadores e dirigentes da secretaria pudessem assinar licitações com um valor de pregão acima de R$ 650 milhões.
- A pasta também informou ao TCE que já havia iniciado o processo para punir empresas responsáveis por 51 obras e que tinham “descumprido cláusulas contratuais”. Entre os descumprimentos, estavam falhas na execução das obras ou até mesmo obras paradas por culpa da empresa.
- De acordo com a apuração interna da secretaria, mais de 110 obras que receberam o reequilíbrio em dezembro de 2022 estavam inacabadas em meados de 2023, sendo que cerca de 10% não chegavam a 50% da execução.
TCE também apontou irregularidades
Em meio às denúncias feitas pela secretaria na ocasião, o TCE-SP decide solicitar uma série de apurações sobre contratos que haviam sido aditivados no final de 2022.
Um dos documentos da Corte de Contas se debruçou sobre o reequilíbrio financeiro de um contrato para obras em estradas rurais nas cidades de Iguape, Pariquera-Açu e Registro, que resultou no pagamento de R$ 367 mil.
Nele, o TCE afirma que a principal justificativa apresentada em fevereiro de 2022 pela secretaria para o reajuste – o aumento do preço do óleo diesel, alegadamente causado pelos reflexos da pandemia de COVID-19 e da guerra entre Rússia e Ucrânia – não eram “aceitáveis”. Isso porque a lei exige que o reequilíbrio contratual seja baseado em fatos ocorridos depois da entrega da proposta de licitação, o que derrubou o argumento da secretaria estadual pelo fato de a pandemia ter sido decretada antes, em março de 2020.
Da mesma forma, a tendência de alta dos preços do óleo diesel estava presente antes da data de apresentação da proposta. Embora a guerra entre Rússia e Ucrânia tenha se iniciada após a proposta, o conflito ocorreu antes da assinatura do contrato, feita em março de 2022. Segundo o TCE, o pedido de reequilíbrio foi feito em um momento em que os preços do óleo diesel apresentavam uma tendência já de queda.
As mesmas justificativas foram utilizadas para todos os cerca de 15o contratos aditivados. Para o Ministério Público, isso seria uma evidência de que os reajustes foram feitos em bloco e sem análise individualizada, como determinava um parecer da própria pasta da Agricultura.
Outro ponto identificado pelo TCE foi o fato de a gestão ter concedido um valor para o reequilíbrio calculado sobre serviços que já haviam sido executados, medidos e pagos. A conduta descumpriria a legislação, que veda a atribuição de efeitos financeiros retroativos aos contratos e seus aditamentos.
Empresa terceirizada sem competência
Segundo as apurações do TCE-SP, a Secretaria de Agricultura estabeleceu uma empresa terceirizada, a LBR Engenharia, como a responsável pela análise e aprovação dos cálculos sobre os pedidos de reequilíbrio.
Para a Corte de Contas, a empresa não teria “competência legal ou delegada” para realizar tal análise e aprovação, uma vez que não fazia parte da administração pública e, além do mais, o serviço não estava previsto no contrato.
Ainda de acordo com a análise do tribunal, os cálculos para os aditivos estavam “viciados” por incluírem serviços cuja execução independia quase totalmente do óleo diesel, como remoção de cercas de arame, acompanhamento técnico da obra ou instalação de banheiro e refeitório. Esse montante, que não deveria ter sido considerado no cálculo, foi de R$ 207 mil, segundo o TCE.
A própria autorização para o reequilíbrio econômico-financeiro, feita em novembro de 2022, foi despachada antes que a própria contratada fizesse o pedido oficial, destaca o documento.
O que diz o Governo de SP
Em nota, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo afirmou que o relatório é um despacho preliminar de 2023. “Todos os pontos mencionados no documento, que tratam de supostas irregularidades na gestão anterior, já foram esclarecidos ao Tribunal de Contas do Estado (TCE)”, diz.
“Inclusive a Procuradoria da Fazenda do Estado se manifestou favoravelmente sobre o caso em dezembro de 2024, no âmbito do próprio TCE. A Secretaria de Agricultura e Abastecimento reafirma que está à disposição de todos os órgãos de controle para prestar todos os esclarecimentos necessários”, afirma nota.
A gestão estadual ainda afirma que que vem cumprindo, de forma rigorosa, todas as recomendações e orientações dos órgãos de controle.
“Todas as apurações internas foram conduzidas por servidores e encaminhadas integralmente ao Ministério Público e à Procuradoria-Geral do Estado. A Secretaria de Agricultura e Abastecimento reafirma seu compromisso com a transparência e a legalidade, e informa que está à disposição do Ministério Público e dos demais órgãos de controle para fornecer todas as informações necessárias sobre os processos em andamento”.