Decorridos 20 anos da primeira conferência sobre o meio ambiente, ocorrida em Estocolmo, 1972, o Brasil sediou a Eco-92. A escolha ratificava a vocação brasileira para exercer um papel estratégico diante do desafio de um novo paradigma civilizatório que propunha uma nova relação entre o homem e a natureza. O futuro, mantido o padrão de crescimento econômico a qualquer custo, estava seriamente ameaçado. Não era uma profecia sombrias como muitos pensavam e pensam até hoje. A natureza tornou-se assustadoramente escassa. Estava em jogo, o que o curso da história vem comprovando, a integridade planetária.
Após 33 anos, o impacto do conceito de sustentabilidade nas suas múltiplas dimensões não foi suficiente para oferecer à população do planeta uma tranquilidade sistêmica. É bem verdade que ocorreram significativas mudanças, tanto nos padrões de produção, consumo, assim como na ampliação da consciência política, no campo da ciência, da tecnologia e na construção mecanismos institucionais e gerenciais capazes de mudar o rumo em direção a uma grave colisão.
No entanto, os esforços foram superados por algumas questões críticas sendo que a mais forte de todas tem sido a crise climática. Um fenômeno verdadeiramente catastrófico, apesar do renitente negacionismo. Nós criamos o problema. Cabe a nós, portanto, que vencemos tantas dificuldades, superar os riscos de um desastre que comprometa a vida na Terra,
O Brasil, desta vez, é a sede de uma concertação internacional, a COP30 (a Conferência das Partes), reunindo os países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC). E mais uma vez, a escolha recai sobre nosso país, não apenas pelo que sugere a força simbólica e real da Amazônia, da exuberante Floresta, dos Rios Voadores, da singular Biodiversidade, da sabedoria dos povos originários, das práticas sustentáveis, como também, pelo protagonismo brasileiro no campo proteção ambiental, da transição energética, da economia circular, da bioeconomia e a da agrossilvicultura.
Oficialmente, a COP30 começou no dia 10 e terminará no dia 21 do mês em curso. Na verdade, começou antes com um calendário de eventos preparatórios e uma agenda cultural e, certamente, seus efeitos serão duradouros assim como as expectativas quantos aos seus resultados.
De fato, a COP30 não é uma bala de prata. Haverá sempre duas históricas defasagens: uma é a que separa discurso da ação; a outra é medida pela distância entre a demanda de recursos e a efetiva disponibilidade do dinheiro para financiar os investimentos de modo a operar operar as transformações necessárias. Daí, clamor generalizado sobre o maior dos desafios: implementar, implementar, implementar.
Neste sentido, há um esforço coletivo para mobilizar recursos públicos e privados para o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, sigla em inglês), tema central da Cúpula de Líderes sobre o Clima realizado na quinta (6) e na sexta (7), bem como o combate ao negacionismo climático, multilateral e científico conforme agenda proposta pelo governo brasileiro.
De outra parte, para dar efetividade aos compromissos formalmente assumidos, o segmento “Governos Locais e Autoridades Municipais”, no âmbito da COP, assumiu a interlocução desses atores fundamentais para a implementação de medidas concretas em favor da transição climática.
Com o propósito de “por a mão na massa”, a Frente Nacional de Prefeitos elaborou uma “Carta”, subscrita por mais cem de prefeitos e prefeitas de médias e grandes cidades a ser entregue às lideranças globais, com propostas consistentes para enfrentar a emergência climática. No ponto de partida, o documento defende o “federalismo climático” exercido por uma “governança multinível” que articula as esferas subnacionais (estados, municípios, regiões) possibilitando a ação local que é onde as mudanças ocorrem. Mais ainda, acrescenta, as cidades ocupam os espaços que concentram parte significativa das emissões de gases de efeito estufa, ao mesmo tempo em que sofrem os impactos climáticos a exemplo de enchentes, ondas de calor e eventos extremos, cada vez mais próximos das pessoas, em especial, das mais vulneráveis, como ocorreu em Rio Bonito do Iguaçu, município paranaense.
Ao concluir afirma, “não há transição climática sem as cidades” e, no mesmo tom, arremata: “O Brasil apresenta ao mundo uma agenda que une floresta e cidade, natureza e desenvolvimento, equidade e inovação. A governança multinível e o federalismo climático são o alicerce dessa transformação: uma política climática feita por todos os níveis de governo. Para todas as pessoas”.
De fato, não há contradição entre a visão global e o olhar local. Pelo contrário, o grande escritor russo Leon Tolstoi, proferiu uma frase sábia: “Se queres ser universal, começa a pintar tua aldeia”. É o que atesta a experiência do exercício do poder local cuja essência se manifesta numa relação de proximidade.
Aí residem a beleza e a funcionalidade dos entes locais. No caso dos municípios, a proximidade revela aos gestores a dimensão humana das necessidades sociais. O poder municipal é o mais humanizado entre todos os poderes; tudo se vê sem a necessidades das retinas intermediárias e tudo se ouve sem a necessidade de uma segunda voz; as carências andam, falam, respiram, não são não números. Têm corpo e alma.
Na era da cidadania global, das pessoas conectadas pela revolução tecnológica, nós seguimos morando no município, o mundo é a casa, a família, a rua, o bairro. Depois vem a Cidade, o Estado, o País, o Mundo. O tempo é agora, hoje. Depois, vem o amanhã com o significado das urgências, das emergências e a consciência do estratégico. Nada, todavia, desbota a inconfundível cor local no pequeno/grande universo de cada cidadão.
Integração entre poderes, cooperação entre as nações, responsabilidade de todos para a realização da equidade ambiental, são pilares que permitem enxergar o futuro. É o que prega, com a autoridade de “sustentabilista”, como se define a Ministra Marina Silva: “Não cabe mais o que pensávamos 33 anos atrás, de pensar global e agir local. Agora precisamos fazer as duas coisas, ao mesmo tempo”.
Gustavo Krause foi ministro da Fazenda
