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    Amanda Mirásci detalha bastidores de peça sobre autoestima masculina

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    Amanda Mirásci vive um dos momentos mais marcantes de sua carreira ao lotar, há meses, o teatro com seu primeiro monólogo: A Autoestima do Homem Hétero. Celebrando 30 anos de trajetória, a atriz, que já passou por novelas como Garota do Momento e acumulou papéis dramáticos no teatro, estreia também como autora ao dar vida à história de Carina, uma farmacêutica que cria um medicamento revolucionário: a autoestima do homem hétero em cápsulas.

    A ideia do espetáculo surgiu de uma situação real e, claro, inusitada. Em entrevista à coluna Fábia Oliveira, a artista relembrou o momento: “Num date, um cara com um violão me pediu para ouvir uma música que rimava brothers, mothers e fathers. No fim, ele me olhou e perguntou: ‘Genial, né?’”, recordou, rindo.

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    No palco, ela conduz o público por situações hilárias e dolorosas, muitas vividas por ela ou por mulheres ao seu redor, criando uma narrativa que une humor, crítica e afeto. “A Carina sou eu, e também um pedacinho de cada mulher que ainda busca aprovação”, explicou. A peça virou um fenômeno de conversa, especialmente entre mulheres que se reconhecem nas histórias, e também entre homens, que, segundo Amanda, “se divertem enquanto refletem”.

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    Amanda Mirásci

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    Amanda Mirásci

    Foto: Julia lego

    Além do sucesso do monólogo, Amanda Mirásci comemora o novo momento como dramaturga. “Eu sempre quis escrever, mas não tinha coragem. Brinco que tomei uma pílula de autoestima do homem hétero pra conseguir”, afirmou ela. Com três décadas de carreira, ela celebra a autonomia artística que conquistou, mantém em andamento novos projetos e garante que quer continuar experimentando: “Quero seguir criando, errando, me reinventando”.

    Leia a entrevista completa com Amanda Mirásci:

    Como surgiu a ideia de transformar a “autoestima do homem hétero” em uma peça e de onde veio a inspiração para criar a personagem Carina?
    Olha essa situação: num date, um cara com um violão me pediu para mostrar uma música composta por ele. Se achando no violão, ele tocou e cantou uma música que rimava brothers, mothers e fathers. No fim, ele me olhou no fundo do olho e perguntou: “Genial, né?” (risos). E eu pensei: meu Deus, isso dá uma cena.

    Assim nasceu a ideia da peça. De lá pra cá, a internet começou a explodir com o tema. A “autoestima do homem hétero” passou a ser discutida nas redes, muitas vezes com essa brincadeira de que ela poderia até ser comercializada. E foi aí que tudo se conectou. Mas, na verdade, esse tema me acompanha há muito tempo. Como uma mulher heterossexual de 42 anos, já vivi incontáveis situações com homens héteros. Algumas hilárias, como as que escolhi recontar no espetáculo, e outras bem dolorosas.

    Escolhi falar sobre isso através do humor. Optei por tratar o machismo pela camada mais visível, mais cotidiana, acreditando que assim seria possível criar identificação e, quem sabe, (ô glória) provocar alguma transformação. A Carina sou eu, e também um pedacinho de cada mulher que ainda busca aprovação, que ouve a voz da síndrome da impostora sussurrando que não é boa o suficiente. As relações afetivas podem despertar o que há de mais autodestrutivo em nós. Em busca da autoconfiança quase insana que ela vê nos homens, Carina acaba entendendo que por trás dela existe apenas o medo de encarar as próprias vulnerabilidades.

    O espetáculo fala de autoestima, mas também de comportamento e de relações. Qual a mensagem mais poderosa que você quer deixar para quem assiste?
    Existe uma autoestima delirante em muitos homens, que os faz acreditar que são naturalmente superiores. E, muitas vezes, nós mesmas acabamos acreditando nesse discurso. Toda vez que nos envolvemos com um boy lixo (e não são poucos), ou permanecemos em relações que sabemos, lá no fundo, que não nos cabem, estamos reforçando papéis que sustentam essa narrativa. Eu quis questionar justamente isso: quais comportamentos seguimos repetindo que mantêm esse ciclo? E como isso fere a todos, homens e mulheres.

    Mais do que falar sobre eles, eu queria que a peça fosse uma grande celebração feminina. A gente ri junto, se reconhece, se acolhe. As mulheres estão anos-luz à frente quando o assunto é autoconhecimento. Temos coragem de nos olhar, de assumir o que é frágil, de rir das nossas dores. E isso é uma força enorme. Mas o espetáculo também é um espelho pros homens. Eu falo do meu pai, do meu namorado, de amigos, de homens que eu amo e que são “do bem”, mas que ainda reproduzem comportamentos baseados nessa ideia de superioridade. O humor ajuda a desmontar isso sem apontar o dedo, mas provocando reflexão.

    O texto é seu, e a atuação também. Como foi equilibrar o papel de autora e intérprete pela primeira vez?
    Foi uma aventura (risos). Ainda mais porque, além de escrever e atuar, havia a camada da realização. Realizar um projeto sem patrocínio é sempre um desafio. Mas eu me sentia convocada a fazer essa peça. Sabe quando tudo ao redor parece conspirar, e o melhor que você pode fazer é acolher o que o universo está te mostrando? Eu sempre quis escrever, mas não tinha coragem. No início até pensei em dividir a dramaturgia, mas os processos não avançaram. Aí minha diretora, Martha Nowill, me deu o empurrão que faltava: “Amanda, escreve o seu texto”. E eu escrevi, com a colaboração da própria Martha e da Bruna Trindade.

    Foi muito simbólico colocar meu corpo pra contar uma história sobre confiança. Escrever e atuar, nesse caso, eram a mesma coisa: eu precisava acreditar em mim. Brinco que tomei uma pílula de autoestima do homem hétero pra conseguir. E foi a melhor coisa que fiz. O equilíbrio entre essas funções? Continuo tentando encontrar até hoje (risos).

    Esse é o seu primeiro texto autoral. Quando percebeu que queria se aventurar como escritora?
    Dei aulas de teatro por muitos anos e escrevia as peças de fim de ano dos meus alunos, e era algo que eu amava fazer. Com o tempo, foquei mais na carreira de atriz e fui me afastando da escrita. Sou fã de dramaturgos que escrevem o mundo de forma tão poética e profunda, que eu achava que nunca conseguiria. Mas existe um jeito que eu sei fazer, o meu jeito, e percebi que ele pode se conectar com outras pessoas. Quando entendi isso, tirei o peso de ter que acertar ou ter que fazer bem.

    Eu sou uma contadora de histórias, sempre fui. A diferença é que, como dramaturga, você precisa assumir um ponto de vista, e isso, na era do cancelamento, pode ser assustador. Mas é justamente nesse processo que você vai descobrindo e ajustando o seu próprio olhar sobre o mundo. Escrever é muito difícil, mas também é uma viagem maravilhosa.

    Você se inspira em alguém ou em alguma vivência pessoal para escrever seus personagens?
    Totalmente. Tudo o que eu crio vem de algo que vivi, observei, li ou descobri. Quando percebo, já brotou uma ideia. Na época em que comecei a escrever a peça, eu estava há quatro anos solteira, colecionando situações ridículas (risos), enquanto lia Silvia Federici e Bell Hooks. Eu só consigo criar a partir do pessoal, de uma descoberta que é minha, mas que quero dividir com o mundo.

    A peça tem muitas histórias reais: minhas, das minhas amigas, de conversas infinitas (amém, as amigas). É nessas trocas que a gente percebe os padrões. Quantas amigas solteiras e mães solo, quantas casadas e também mães solo… quantas mulheres incríveis buscando validação em homens péssimos. A Carina é um pouco de mim e um pouco de todas as mulheres que cruzaram a minha vida. Um pouco de todas nós, que às vezes precisamos tomar uma pílula de autoestima do homem hétero (na dose certa).

    Você está completando 30 anos de carreira. O que mais te orgulha ao olhar para trás?
    Ah, com certeza, os encontros. Tive a sorte de participar de trabalhos que me trouxeram encontros muito especiais, que me formaram como artista e como pessoa: Uma Vida Boa, Cara e Coragem, Inútil a Chuva com o Armazém, O Branco dos Seus Olhos, Todo Clichê do Amor, Ringue.

    Comecei a fazer teatro aos 11 anos, e estar novamente no teatro, que é a minha casa, me faz lembrar por que eu faço o que faço. Mas o que mais me orgulha é ser uma atriz realizadora. Adoro ser convidada pra trabalhar, claro, mas essa não é a realidade de 99% dos artistas. Criar autonomia profissional é importantíssimo, e ao mesmo tempo muito difícil.

    Qual é a principal diferença entre atuar em um set de gravação e sustentar sozinha um palco?
    Olha, é tão diferente que às vezes eu acho que deveriam ter nomes distintos (risos). Ser atriz em um set e ser atriz em um monólogo no teatro são experiências completamente diferentes. O processo de criação, o tempo presente, o improviso que surge quando algo dá errado, tudo muda.

    Num set não tem plateia, não tem resposta imediata, a não ser da própria equipe. Errou, volta. Não ficou bom, volta (se der tempo). No teatro é momento presente e adrenalina do risco. Em A Autoestima do Homem Hétero são 70 minutos de bola no alto, comigo sacando, levantando e cortando. É uma entrega total. O público participa do “lançamento do medicamento”, então há uma troca muito viva: comentários, reações, respostas. Cada sessão é única. E, graças a Deus, as risadas têm sido altas, os homens se divertem e as mulheres gritam “Yuhuu!”, “É isso aí!”. É uma energia impossível de explicar.

    Que tipo de papel ou projeto ainda falta na sua carreira?
    Todos (risos). Eu amo trabalhar: no teatro, na TV, no cinema. Amo viver diferentes vidas e contar novas histórias. Já dei vida a muitos personagens especiais, mas ainda há tantos outros por vir. Todo personagem me interessa. Em cada um deles eu me redescobri, por poder olhar a vida através daquela lente, daquele ponto de vista. Quero fazer uma novela de época, um filme de ação, uma biografia… quero tudo. Mas, claro, tudo que esteja alinhado com o que eu acredito.

    Você pretende continuar escrevendo? Já tem novos textos ou ideias em andamento?
    Sim. Tenho um projeto infantil sendo gestado há anos sobre bruxaria, uma dramaturgia minha que pretende desmistificar a figura da bruxa, devolvendo a ela o poder, o respeito e a admiração que merece. Também estou envolvida em um novo espetáculo idealizado por Pablo Sanábio, com direção de Matheus Malafaia, dois amigos e parceiros de longa data. E tenho um argumento de filme sobre autismo, inclusão e educação que quero desenvolver com calma e pesquisa. O audiovisual é um desafio, mas é um universo que me encanta.

    Com 30 anos de trajetória, o que você ainda quer realizar como artista?
    Ah, eu quero continuar em movimento. Quero ter boas oportunidades. Quero seguir realizando, criando, testando, errando, me reinventando. Quero seguir trabalhando com gente criativa e generosa, que acredita na potência do encontro, porque é nele que tudo acontece: a arte, a troca, a transformação.

    O teatro é a minha casa, o lugar onde tudo começou, e quero seguir nele com o mesmo encantamento de quando eu tinha 10 anos e pensei: “é aqui que eu quero ficar”. Mas hoje também sinto muita vontade de me experimentar mais no audiovisual. Quero explorar esse universo com mais profundidade, seja no cinema, na televisão ou nas plataformas digitais, porque cada linguagem oferece uma maneira diferente de se comunicar com o público e, principalmente, de contar histórias que é o que eu amo fazer!