Uma amiga do soldado Christian Paiva Korosi, de 19 anos, encontrado morto no quartel do Exército em que trabalhava em julho de 2023, conta que o militar enfrentava uma rotina de perseguição, humilhação e punições na caserna. Na época da morte, o caso foi registrado como suicídio, versão que a família de Christian contesta até hoje.
O soldado foi encontrado com um tiro de fuzil na cabeça na guarita em que trabalhava como sentinela no 2º Batalhão de Suprimento, na zona oeste de São Paulo. Uma apuração interna do Exército concluiu rapidamente que o jovem teria tirado a própria vida com um disparo de fuzil 7.62. A mãe dele, Juliana Korosi, jamais aceitou essa hipótese e luta há mais de um ano para que as investigações sejam reabertas.
As novas revelações sobre o caso foram documentadas pela amiga do soldado em uma carta manuscrita registrada em cartório. No documento, obtido pelo Metrópoles, a testemunha afirma que “as punições, gritos e xingamentos eram 90% direcionados a ele”, acusando superiores de suposta hostilidade gratuita por “motivos bestas”.
A amiga descreve, ainda, a exaustão de Christian que, segundo ela, “ficava visível em suas feições de cansaço e desânimo diante da situação”, sugerindo que a pressão psicológica era constante e não apenas pontual.
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Punições em qualquer situação
Segundo a carta, a testemunha chegou a alertar o amigo, durante encontros reservados, para que evitasse chamar a atenção dos superiores, em uma tentativa de moderar as punições. “Alertamos Christian, [porque] ele sofria punições fazendo o certo ou o errado”, relatou, em um áudio encaminhado ao Metrópoles. A amiga do soldado ainda destacou o isolamento do jovem, que confidenciou os supostos abusos aproximadamente nove meses antes de ser encontrado morto.
Na carta, a amiga afirma que, duas semanas antes da morte, os dois se encontraram. Ele teria prometido “um dia para sentar e conversar” com ela, mas, nas palavras da testemunha, “essa conversa nunca chegou”. Com isso, o documento assume valor simbólico e emocional, segundo familiares, ao reforçar as tensões prévias e a solidão do soldado antes de morrer.
Laudo independente aponta inconsistências
O relato emerge em meio à mobilização da mãe de Christian, que chegou a contratar uma perícia independente para apontar falhas da investigação. A versão oficial do Exército indica suicídio, mas o laudo pericial externo identificou “inconsistências balísticas, possível manipulação da cena e falhas no manuseio de provas”.
O laudo particular também levanta questionamentos sobre o tempo entre o disparo e o envio do fuzil para análise, porque o armamento só teria sido avaliado 58 dias após a morte do jovem. Além disso, o celular de Christian foi entregue à família sete meses depois da morte, sem perícia prévia, segundo o laudo. Para a mãe do soldado, essas falhas são demasiado graves para serem ignoradas.
A família do soldado decidiu acrescentar a carta da amiga de Christian aos documentos em que pede a reabertura da investigação sobre o caso.
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Somam-se à carta relatos de testemunhas, como o da tia de Christian, que contou ao Metrópoles que, pouco antes de morrer, ele disse que “por segurança, nunca deixava munição” na arma de serviço. Essa afirmação dá força à tese da família de que Christian não pretendia tirar a própria vida, mas estava inserido num ambiente de disciplina rígida e tensão emocional.
Frente a esses indícios, o promotor de Justiça Militar Adilson José Gutierrez, do Ministério Público Militar (MPM), requereu diligências adicionais junto ao Instituto Médico-Legal e ao Exército para reavaliar as evidências. Em nota, encaminhada na quarta-feira (19/11) à reportagem, o órgão acrescentou que “não há prazo definido para conclusão dessas diligências”.
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Como revelou o Metrópoles, são justamente os questionamentos trazidos pela perícia particular contratada pela família que motivaram o pedido do MPM. Pontos considerados pela Promotoria foram a ausência de registros fotográficos completos da cena, divergência na trajetória do projétil e depoimentos contraditórios de militares.
A Justiça Militar também foi questionada sobre a eventual reabertura do caso, mas não se manifestou. O espaço segue aberto.
