“Quando a contabilidade falha, não falham apenas os números, falha o Estado. Mas quando a contabilidade se fortalece, o Estado se torna mais eficiente.” A frase do presidente do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Aécio Prado Dantas Júnior, marcou a abertura da primeira edição da Conferência Nacional de Contabilidade Pública (CNCP), realizada em Aracaju nos dias 18 e 19 de novembro.
Idealizado pelo CFC em parceria com a Academia Sergipana de Ciências Contábeis, o evento reuniu especialistas, representantes de instituições públicas e profissionais da contabilidade para discutir os desafios e as tendências do setor. Segundo Aécio Prado, há urgência na atualização técnica dos contadores e no protagonismo da contabilidade nas decisões estratégicas da administração pública:
“Há tempos os contadores querem voz, espaço de discussões e a oportunidade de mostrar que somos essenciais para a governança e gestão dos recursos públicos. O Brasil vive um momento de necessidade de atualização técnica e planejamento, e é a contabilidade que garante que isso se torne real.”
Aécio Dantas, Presidente do CFC
Sob o tema “Governança e Transparência para uma Gestão Pública Inovadora e Sustentável”, a conferência ofertou 24 painéis técnicos em três palcos simultâneos, em um formato de “palestras mudas” que permitiu aos participantes escolherem os temas de seu interesse.
Aécio Dantas, Presidente do CFC; e Emília Correia Prefeita de Aracaju
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Lana Glicia, Presidente da Academia Sergipana de Ciencias Contáveis (ASCC)
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Evento reuniu mais de mil participantes
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Aécio Dantas, Presidente do CFC
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Mais de mil pessoas participaram da programação, que mesclou debates profundos com networking e troca de experiências. Para Josefa Souza, contadora do setor privado e conselheira regional de contabilidade em Sergipe, o evento foi um divisor de águas: “Sempre participo de eventos ligados à área privada, mas a área pública sempre foi muito carente, até agora.”, afirmou.
Josefa Souza, Conselheira Regional de Contabilidade de Sergipe
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Alexandre Silva, Analista de sistemas
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No pavilhão da feira de negócios, Alexandre Silva, analista de sistemas da Ágape Sistemas, destacou a importância da participação para mostrar soluções tecnológicas ao público contábil: “Nosso objetivo é trazer mais funcionalidade e praticidade para a gestão pública. Por isso é tão importante participar de eventos como esse, reunir e conversar com os contadores.”, garante.
Inovação tecnológica e inteligência artificial
A transformação digital foi um dos destaques da conferência. Especialistas debateram como a inovação e inteligência artificial (IA) podem aprimorar a análise de informações financeiras e acelerar processos administrativos.
Ed Wilson Fernandes, diretor de TI do Tribunal de Contas da Paraíba, alertou para a urgência da adaptação:
“A transformação já é uma realidade. Mais do que um desafio, é uma oportunidade, e é urgente que a gente se enxergue como parte desse processo.”
No discurso dele ficou claro que a modernização institucional depende não só de tecnologia, mas de acesso a dados diários, integração entre bases e uma linguagem simples para o usuário comum. Esses avanços têm mudado a rotina do TCE-PB. Segundo Wilson, o objetivo é tornar as ferramentas realmente úteis para o cidadão.

Um dos cases de sucesso citado foi o sistema SOFia, idealizado por Roosevelt dos Santos Figueiredo, do Tribunal de Justiça do Piauí. A plataforma aplica IA para integrar informações orçamentárias e solicitações de diárias, automatizando rotinas e gerando relatórios precisos.
“A SOFia nasceu em um pequeno estado, em um tribunal com orçamento restrito, um contador e uma ideia: transformar burocracia em inteligência. Tudo isso para mostrar que é possível inovar com impacto social, transparência e inteligência artificial.”, afirma o idealizador.
Reforma tributária e finanças públicas
O painel sobre reforma tributária reuniu profissionais atentos em busca de respostas para uma das maiores preocupações do setor: como os estados e municípios vão se adaptar à nova forma de arrecadação e distribuição de receita.
Especialistas debatem efeitos da reforma tributária
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Daniel Corrêa, subsecretário do Tesouro da Secretaria da Fazenda do Espírito Santo, defendeu uma integração federativa mais robusta:
“Vai ser preciso olhar para a receita do Brasil todo e isso agrega o próprio processo fiscalizatório. Você pode não ver esse trabalho sendo traduzido, de forma prática no seu ente, mas faz parte da mudança de cultura. Vamos aprender a trabalhar juntos.”
Já Michele Roncálio, secretária da Fazenda de Florianópolis e membro do pré-comitê gestor do novo modelo, apontou três frentes prioritárias para o futuro tributário: gerar novas fontes de receita; equilibrar receitas e despesas; e usar a tecnologia para cooperação e inovação na arrecadação.
Os participantes também foram informados sobre os prazos e regras de transição para estados e municípios.
Governança e sustentabilidade: o novo rumo da contabilidade pública
Durante o painel “Governança Pública e Controle: Fundamentos para um Estado Sustentável e Transparente”, especialistas reforçaram que um Estado sustentável e eficiente depende de práticas consistentes de governança, controle social e planejamento estratégico.
O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes, apresentou dados inéditos do Climate Scanner, desenvolvido pelo INTOSAI, e apresentado com exclusividade na CNCP. Ele revelou preocupações significativas:
- A maioria dos estados desconhece os riscos da mudança do clima em seu território.
- 17 capitais brasileiras não estão se preparando para se recuperar de desastres causados pelas mudanças climáticas.
- Estados e capitais não sabem quanto gastam para enfrentar as mudanças climáticas.
- 24 estados possuem planos para redução do efeito estufa, mas apenas 7 definiram metas concretas.
- Metade das capitais avaliadas têm dificuldade para participar dos programas climáticos estaduais e federais.
- Estados incentivam investimento privado em clima, mas só 4 mobilizam recursos de fato.
Para Edmar Camata, secretário de Controle e Transparência do Espírito Santo, a incorporação de práticas ESG (Ambiental, Social e Governança) pela administração pública é mais do que uma tendência: é uma necessidade estratégica.
“Fazer uma política de sustentabilidade é muito mais do que financiar algo que acha bonito. É preciso investimento estratégico e continuado, e nisso, estados e empresários podem caminhar muito bem.”
Edmar Camata, secretário de Controle e Transparência do Espírito Santo
Augusto Nardes, Ministro do Tribunal de Contas da União (TCU)
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Edmar Camata, secretário de Controle e Transparência do Espírito Santo
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Segundo os palestrantes, a mudança exige monitoramento, avaliação financeira preventiva e inovação institucional. Sem uma estratégia de médio a longo prazo, alertou Nardes, o país corre o risco de continuar sem resultados relevantes: “Para isso acontecer é preciso ter inovação. Sem estratégia, o país não tem perspectiva, seremos sempre um país periférico sem resultados”, concluiu o ministro.
Encerramento: sabedoria para decidir
A palestra de encerramento ficou por conta do escritor e conferencista Thiago Brunet, trazendo uma mensagem sobre a sabedoria na tomada de decisões, tema central para a transformação proposta pela conferência.
Brunet destacou que, em tempos de complexidade e mudança, as escolhas não devem se basear apenas no conhecimento técnico, mas também em valores, ética e propósito: “O que você decide sobre a vida tem a ver com o sentido dela, e o sentido da vida passa por usar o seu conhecimento técnico para tocar positivamente a vida de alguém.”
Segundo o presidente do CFC, Aécio Prado Dantas Júnior, a presença de Brunet reforçou um desejo: “Hoje nós precisamos de contadores que não pensem apenas em contabilidade, mas que estejam alinhados com inovação, controle, e até mesmo espiritualidade.”
Mais do que um encontro técnico, a CNCP se consolidou como um movimento de transformação da contabilidade pública, reafirmando a importância de governança, transparência, inovação e sustentabilidade como pilares para o futuro do setor público e para a confiança da sociedade nas instituições.