Quando o ministro Alexandre de Moraes assinou a prisão preventiva de Jair Bolsonaro na madrugada de ontem (22), sua caneta não carregava somente a autoridade da lei, mas a memória de um padrão.
Enquanto aliados gritavam “perseguição” e invocavam a saúde frágil do ex-presidente, o despacho do magistrado iluminava dois fatos concretos que, lidos em conjunto com o histórico do bolsonarismo, soaram como um alarme: uma tornozeleira violada e uma convocação suspeita.
No centro da decisão judicial estava um vídeo publicado pelo senador Flávio Bolsonaro. Ao organizar uma vigília de apoiadores para a porta da casa do pai, Flávio não estava apenas convocando compaixão religiosa. Para aqueles menos apaixonados – ou de má-fé – é fácil notar o problema no discurso.
Quem convoca o “senhor dos exércitos” para uma oração pacífica? Quem chama a população à luta com a fala de não aceitação das decisões da justiça? Quem faz isso às margens da prisão definitiva?
Como cantou Caymmi, “bom sujeito não é”.
Flávio Bolsonaro em oração pelo pai
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Bandeira com nacional com Bolsonaro
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Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro se reúnem em vigília
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Apoiadores estão à frente do condomínio do ex-presidente Jair Bolsonaro
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Bolsonaro e tornozeleira eletrônica após tentativa de violação
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Bolsonaristas invadiram Congresso Nacional em 8 de janeiro de 2023
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Manifestantes depredaram as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
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Invasão à Câmara no 8 de Janeiro
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Senador Flávio Bolsonaro
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Moraes foi cirúrgico: na melhor das hipóteses, a aglomeração de militantes ativados por um líder da “família real” seria um problema à ordem pública. Sim, uma nova “festa da Selma”, mais um 8 de janeiro. E mais: poderia servir como um tumulto calculado para facilitar a saída de alguém que, horas antes, já havia testado os limites de sua vigilância.
O sistema de monitoramento registrou a tentativa de rompimento da tornozeleira eletrônica de Bolsonaro por volta da meia-noite. Só por isso, Moraes deve fazer cumprir a lei. Bolsonaro estava com medidas cautelares em sua prisão domiciliar. A tornozeleira é uma delas. Nem se o ministro quisesse ser mais tolerante do que já foi, ele poderia. Crime é crime. Cumpre-se.
E é neste ponto que o presente colide com o passado recente. A desconfiança do Supremo não nasce no vácuo, ela é alimentada por uma crônica de fugas bem-sucedidas.
Fugas tornaram-se um padrão no entorno do ex-presidente. Para citar o mais recente, o caso de Alexandre Ramagem, que chegou a votar na Câmara direto dos Estados Unidos.
A ironia do momento é palpável. Enquanto a defesa de Bolsonaro e seus filhos ocupavam as redes ontem jurando que o ex-presidente jamais fugiria e que sua prisão era um ato de tirania, as ações práticas (o dano ao equipamento de rastreio e a mobilização de massa) sinalizavam o oposto.
Todos sabem que, no bolsonarismo, quando o cerco se fecha, a porta dos fundos — ou a embaixada mais próxima — costuma ser o destino.
Ninguém está contra a religião, como sugerem os bolsonaristas. Não há guerra de fé, não caiam nessa. Apenas parem com a hipocrisia de usar Deus para justificar absurdos e manter seus fiéis, chorosos, como reféns de um projeto de poder. Não é justo com eles, não é justo com o Brasil.
