Uma empresa investigada pela Polícia Civil por participação em um suposto esquema de desvios de dinheiro público em contratos da Prefeitura de Cajamar, na Grande São Paulo, recebeu do município cerca de R$ 25 milhões, mesmo tendo apenas dois anos de existência.
A Fortis Hamate Empreendimentos é uma das empresas citadas em inquérito aberto em agosto pela Polícia Civil, após o recebimento de denúncia apontando suspeita de corrupção na cidade durante as gestões de Danilo Joan (PSD), entre 2020 e 2024, e do atual prefeito, Kauan Berto (PSD), sucessor e aliado de Joan.
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Segundo a polícia, a empresa integra um dos principais eixos investigados, relacionado a desapropriações suspeitas de imóveis, com valores que, segundo denúncia, ultrapassariam R$ 165 milhões. Como mostrou o Metrópoles nesta quinta-feira (13/11), o conjunto de contratos sob suspeita soma R$ 875 milhões.
De acordo com a denúncia, a empresa UrbanCorp Urbanismo e Incorporações, com sede em Barueri, na Grande São Paulo, adquiriu em dezembro de 2022 um imóvel em Cajamar por R$ 1,9 milhão. Pouco mais de um mês depois, em janeiro de 2023, a empresa alugou o imóvel à Prefeitura de Cajamar por R$ 156,5 mil anuais, para a instalação de uma escola.
Em abril de 2023, o imóvel foi revendido à Fortis Hamate, que havia sido aberta no final do ano anterior e cujo sócio é Gabriel Alves Ferreira, próximo do ex-prefeito Danilo Joan, conforme registros nas redes sociais.
Em junho daquele ano, a empresa assumiu a locação junto à prefeitura, pelo valor de R$ 244,8 mil por 12 meses. A escola foi inaugurada somente em fevereiro de 2025, sob o nome “Bianca Helen Behen Silva” (foto em destaque).
Desapropriações
Além do aditamento contratual do aluguel, segundo a denúncia, foram realizados repasses à Fortis Hamate relacionados a desapropriações de áreas pela prefeitura.
De acordo com dados públicos anexados à denúncia, com apenas dois anos de existência, a Fortis recebeu cerca de R$ 25,6 milhões da prefeitura, em pagamentos referentes a desapropriações e aluguéis.
O relatório preliminar feito pela Polícia Civil, obtido pelo Metrópoles, afirma que os pagamentos feitos à empresa foram confirmados “de maneira objetiva”, “com valores e datas compatíveis com as denúncias, e, em alguns casos, até superiores aos inicialmente informados”.
“Os fatos seguem uma cronologia coerente com os elementos apurados até o momento. Durante o mandato de Danilo Joan (2020-2024), teriam se iniciado os primeiros contratos com as empresas de Barueri, além de desapropriações suspeitas e criação de empresas como a Fortis Hamate. Em 2024, ano eleitoral, os recursos teriam sido redirecionados para apoio a candidaturas locais. Em 2025, com a eleição de Kauan Berto [atual prefeito], os mesmos agentes e contratos foram mantidos, incluindo a continuidade de desapropriações milionárias com a UrbanCorp e demais empresas do núcleo empresarial”, afirma o relatório policial.
O Metrópoles tentou contato com Gabriel Alves Pereira, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. A UrbanCorp Urbanismo não foi localizada. O espaço segue aberto para manifestação.
Esquema investigado
- A Polícia Civil de São Paulo investiga desde agosto deste ano um suposto esquema de desvio de dinheiro público na Prefeitura de Cajamar. Ao todo, os contratos suspeitos somam cerca de R$ 875 milhões.
- “As informações recebidas apontam para a atuação de um grupo criminoso formado por agentes públicos e empresários, que teria se beneficiado de recursos públicos por meio de diferentes mecanismos de fraude e corrupção institucionalizada”, diz o relatório da polícia.
- De acordo com a polícia, um dos principais eixos investigados refere-se a desapropriações suspeitas de imóveis, com valores que, segundo denúncia, ultrapassariam R$ 165 milhões.
- Outro núcleo das denúncias envolve o suposto desvio de recursos por meio de entidades conveniadas com o município. Os recursos teriam sido utilizados para fomentar as campanhas eleitorais dos envolvidos.
- “Ao longo da análise das denúncias foram identificados outros pontos relevantes, como depósitos vinculados a apoio político; empresas de fachada com recebimentos vultosos; nomeações de familiares e aliados em cargos estratégicos; e possíveis mecanismos de lavagem de dinheiro via entidades”, diz o relatório da Polícia Civil.
Empresas de familiares
Além do contrato de R$ 25 milhões entre a Prefeitura de Cajamar e a empresa Fortis Hamate, outro eixo da investigação está ligado a negócios suspeitos do entorno familiar do ex-prefeito Danilo Joan (PSD).
De acordo com a denúncia investigada pela Polícia Civil, a prefeitura teria empenhado e contratado, sem licitação ou por meio de licitações combinadas, cerca de R$ 50 milhões com empresas de familiares diretos de Danilo Joan.
Somente uma dessas empresas, do ramo da construção, teria recebido R$ 47 milhões entre 2021 e 2023, tendo como sócios um tio e uma prima de Joan. Ainda segundo a denúncia, servidores próximos a ele teriam sido nomeados em cargos de comissão, vinculados a departamentos e setores responsáveis por aprovar pagamentos às empresas.
Entre esses servidores, está um amigo de infância do ex-prefeito, conhecido como Miltinho, nomeado, em diferentes momentos, para diversos cargos em comissão na prefeitura. Outro nomeado é um primo de Danilo Joan, que também teve a esposa contratada na administração municipal.
“Núcleo Barueri”
Como mostrou o Metrópoles, o eixo das investigações relativo a desapropriações em Cajamar vai além do contrato de R$ 25 milhões com a empresa Fortis Hamate. As denúncias também revelam a existência de um possível cartel de empresas sediadas em Barueri, na Grande São Paulo, que teria sido beneficiado com contratos públicos da prefeitura no valor total de R$ 206 milhões. É o que o Ministério Público chama de “Núcleo Barueri”.
Neste segmento da denúncia, são citadas ao menos quatro empresas, sendo que duas delas compartilham os mesmos sócios, ambos com endereço vinculado ao ex-prefeito Danilo Joan, em Barueri.
Os delegados do inquérito citam no documento, como um ponto de “especial gravidade”, a nomeação de um funcionário de uma das empresas como fiscal de obras da Prefeitura de Cajamar, “em evidente conflito de interesses”. Ainda de acordo com a denúncia, apesar dos valores empenhados, os serviços contratados não teriam sido efetivamente realizados.
“Durante o mandato de Danilo Joan (2020-2024), teriam se iniciado os primeiros contratos com as empresas de Barueri, além de desapropriações suspeitas e criação de empresas como a Fortis Hamate. Em 2024, ano eleitoral, os recursos teriam sido redirecionados para apoio a candidaturas locais”, afirma a polícia.
Os investigadores ainda dizem no documento que, em 2025, com a eleição de Kauan Berto, os mesmos agentes e contratos foram mantidos, incluindo a continuidade de desapropriações milionárias com empresas do núcleo empresarial.
O que diz a Prefeitura de Cajamar
Em nota, a Prefeitura de Cajamar afirma não haver acusação formal contra agentes públicos ou ex-gestores e que parte dos fatos mencionados já foi objeto de análise em procedimentos anteriores, tendo sido arquivados pelo Ministério Público por ausência de elementos que indicassem irregularidades.
“Ressalta-se que o procedimento atualmente citado encontra-se em fase de investigação, sem qualquer acusação formal contra agentes públicos ou ex-gestores. Todas as informações apresentadas têm origem em denúncias recebidas, não representando conclusão ou imputação de autoria por parte da Polícia Civil ou do Ministério Público”, diz o texto.
Acrescenta que o caso tramita sob segredo de justiça, “conforme determinação do próprio Ministério Público, justamente para preservar a integridade das apurações e evitar interpretações ou divulgações indevidas durante a fase inicial do procedimento”.
O texto diz que “todas as contratações, nomeações e investimentos realizados pela administração municipal seguem rigorosamente a legislação vigente e permanecem plenamente disponíveis aos órgãos de controle”.
Conclui que o município “tem compromisso com a transparência, a legalidade e a colaboração institucional, permanecendo à disposição das autoridades competentes para todos os esclarecimentos necessários”.
O que diz Danilo Joan
Em conversa com o Metrópoles, Danilo Joan negou as acusações que estão sendo investigadas e que parte das denúncias já foi arquivada pela Justiça. Ele afirma que a motivação das denúncias é política e que foram feitas por adversários em razão de ele ser pré-candidato nas eleições do próximo ano.
O ex-prefeito disse ainda que o responsável pela denúncias tem um parceiro que já ficou oito meses preso por extorsão. Joan alegou ainda que os contratos e as contas da prefeitura referentes aos anos de 2019 a 2023 foram aprovados pelo Tribunal de Contas do Estado. Argumenta ainda que não é alvo de nenhum processo desde que saiu da prefeitura.
A reportagem questionou a Fortis Hamate e o seu sócio, Gabriel Alves Ferreira, além da Prefeitura de Cajamar, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.
