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    CGU aponta descontrole do Ministério da Saúde em compra de vacinas

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    Dois relatórios publicados pela Controladoria-Geral da União (CGU) nos últimos dias apontam para um descontrole do Ministério da Saúde na aquisição de vacinas, medicamentos e testes de Covid-19.

    Um deles evidencia o desperdício de R$ 2,3 bilhões em imunizantes e medicamentos do Sistema Único de Saúde (SUS) de 2021 a 2023, devido à perda de validade. No documento, a CGU elenca seis falhas: 1) inexistência de parâmetros de aceitabilidade de perdas; 2) fragilidades nos sistemas de gestão de estoques; 3) descumprimento de pontos da Portaria GM/MS 4.777/2022; 4) inadequações em dispositivos dessa mesma portaria, em especial quanto a procedimentos de controle; 5) fatores relacionados a logística; e 6) recebimento de insumos com validade inferior a 70% da vida útil, o que aumenta o risco de perda.

    No outro, a CGU identificou um superdimensionamento na aquisição, neste ano, de testes de Covid-19. Inicialmente, o Ministério da Saúde iria comprar 90 milhões de insumos, em um total de R$ 189 milhões. Após interferência da Controladoria-Geral da União, a pasta reduziu a quantidade para 73 milhões de testes.

    “O superdimensionamento da aquisição representa um risco significativo de desperdício, uma vez que os testes possuem prazo de validade e podem expirar antes de serem utilizados. Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) já demonstraram que compras mal planejadas durante a pandemia resultaram em estoques de testes que não foram aproveitados a tempo, gerando prejuízos financeiros e questionamentos sobre a eficiência das contratações públicas realizadas pelo Ministério da Saúde”, explica a CGU.

    “Além disso, após a distribuição dos medicamentos aos entes subnacionais, o Ministério da Saúde muitas vezes não tem conhecimento sobre o que ocorre com esses insumos, o que pode comprometer a eficiência da cadeia logística”, prossegue o documento.

    Entenda perda de R$ 2,3 bilhões do Ministério da Saúde em vacinas e medicamentos

    Do total, mais de R$ 2 bilhões (89,7%) se referem a insumos requisitados para a pandemia. Esse valor inclui R$ 1,5 bilhão em vacinas contra a Covid, outros R$ 317,2 milhões em anestésicos, medicamentos e insumos para intubação e mais R$ 179,9 milhões em roupas de proteção e máscaras.

    Para a CGU, o “caráter altamente imprevisível” relacionado à Covid, permeado por incertezas, levou a pasta a se preparar para uma “situação sem precedentes”. A demanda por produtos, como vacinas e medicamentos para intubação, disparou mundialmente sem que a oferta acompanhasse:

    “É fundamental reconhecer que o contexto de imprevisibilidade, alta incerteza e a rápida evolução da situação pandêmica acabaram por gerar perdas de insumos que escaparam a um planejamento prévio. Tais situações, inerentes à pandemia, dificultaram a implementação de estratégias eficazes para mitigar essas perdas, evidenciando a necessidade de um aprimoramento contínuo nas práticas de gestão de insumos em emergências de saúde pública”, frisou o documento.

    A auditoria abrange dados de 2021 a 2023. Ao todo, a Gestão de Insumos Estratégicos em Saúde (IES) da pasta gastou R$ 62,9 bilhões com vacinas e medicamentos ao longo dos 3 anos. A CGU ressalta que todo o montante de R$ 2,3 bilhões remete a descartes do centro de distribuição do ministério, excluindo perdas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

    “A perda de IES por decurso do prazo de validade contribui diretamente para a redução do impacto das políticas públicas de saúde, uma vez que diminui a disponibilidade de medicamentos, vacinas e demais materiais médico-hospitalares para a população; leva ao aumento de custos operacionais com manejo e incineração; e prejudica planejamentos futuros de aquisição, haja visto que o insumo descartado por perda da validade não reflete a real demanda da sociedade”, prosseguiu.

    A partir da análise, a CGU traçou uma série de recomendações para evitar o desperdício de vacinas e medicamentos na Saúde:

    • Definir limites de perda aceitáveis;
    • Definir o percentual de perda aceitável, considerando dados epidemiológicos, de morbidade e a condição de saúde da população;
    • Aperfeiçoar sistemas e controles de perda;
    • Criar procedimentos para registrar perdas;
    • Implementar formas de comunicação de perdas nos estados e nos municípios;
    • Controlar insumos recebidos diretamente pelos estados;
    • Realizar estudos de logística e de validade mínima;
    • Realizar estudos de tempo logístico por estado;
    • Aprimorar normativos e governança;
    • Criar procedimento para entregas descentralizadas;
    • Revisar portaria para definir requisitos obrigatórios e objetivos para receber insumos, considerando o prazo de validade disponível, e doações. Além disso, determinar que o monitoramento de estoques inclua não só o Centro de Distribuição da pasta, mas também os dos entes subnacionais.

    “O monitoramento do estoque de medicamentos armazenados, inclusive após a distribuição para os entes subnacionais, é uma etapa crucial na gestão da cadeia logística de medicamentos de aquisição centralizada pelo Ministério da Saúde. O monitoramento pós-distribuição não visa apenas garantir a disponibilidade adequada de medicamentos, mas também contribui para a prevenção de perdas e para a programação de futuras aquisições”, completou a CGU.

    O que diz o Ministério da Saúde sobre relatório da CGU

    Em nota, o Ministério da Saúde informou que a atual gestão da pasta transformou o gerenciamento dos estoques do SUS, “superando o cenário deixado pelo governo anterior, marcado por sistemas defasados e deficiências acumuladas que levaram às perdas apontadas pelo relatório da CGU. Como o próprio documento reafirma, perdas concentradas nas aquisições realizadas até 2022 e no passivo deste período.”

    “As medidas adotadas atendem às recomendações do órgão de controle e consolidam um marco de transparência e eficiência na logística do SUS. Trata-se, portanto, de uma postura absolutamente incomparável com o governo anterior, que precisa ser responsabilizado pela forma com que conduziu o enfrentamento à pandemia de Covid-19”, afirma o Ministério.

    Entre as medidas implementadas para a modernização e aperfeiçoamento da gestão dos estoques do SUS estão a criação de uma sala de situação, monitoramento contínuo, compras com entregas flexíveis e uso de modelos preditivos.

    “Sobre a perdas de vacina, cabe ressaltar o aumento expressivo das coberturas vacinais resultado das ações do Ministério da Saúde desde 2023, após mais de seis anos de queda. Os piores índices foram registrados em meio a uma campanha de desinformação e negacionismo promovida pelo governo anterior. O Ministério da Saúde dará continuidade aos avanços com a substituição do SISMAT e introdução de outras ferramentas de inteligência artificial. A maior eficiência na gestão dos estoques, com redução crescente do percentual de perdas, é um compromisso com a administração pública e a saúde da população”, prosseguiu.

    Os motivos para incinerar vacinas e medicamentos

    Em ofício enviado à coluna via LAI, a pasta atribuiu a incineração a uma série de motivos. O primeiro se refere a mudanças na demanda: a variação de situações epidemiológicas e a desinformação podem levar a compras maiores que o necessário, que acabam fora da validade.

    Depois, vem a oscilação no número de casos de doenças transmissíveis, que, para o ministério, desafiam a compra em quantidade certa. Na lista, estão malária, dengue, tuberculose e hanseníase.

    Já a aquisição de produtos via judicialização representa o terceiro ponto. Entre os fatores, por exemplo, figuram a suspensão de decisões judiciais, a morte do autor da ação, mudanças no tratamento e o fornecimento do medicamento por um estado. Por último, avarias nos produtos podem levar à incineração, diz a pasta.