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    Como a curiosidade e a ciência básica geram grandes descobertas

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    A ciência é, antes de tudo, uma forma de entender o mundo. Desde o movimento dos planetas até o funcionamento das células, é a curiosidade humana que impulsiona descobertas capazes de mudar a história.

    Embora muitas vezes pareça distante das aplicações práticas, a pesquisa básica é o ponto de partida de inovações que mais tarde revolucionam a tecnologia, a medicina e o cotidiano.

    “Descobertas como a estrutura do DNA ou a eletricidade nasceram de curiosidade pura, e só décadas depois transformaram a sociedade. A ciência básica é o terreno fértil de onde brotam as inovações”, afirma Juliana Helena Costa Smetana, professora da Ilum Escola de Ciência, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

    Para o pesquisador Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, a pesquisa básica é essencial justamente porque não tem um propósito imediato. Segundo ele, quando a ciência é guiada por urgência, perde parte de sua capacidade criativa.

    “O que a gente vê é que os grandes avanços científicos raramente surgem em resposta a uma missão específica. A bomba nuclear é um mau exemplo, mas todo o entendimento sobre o átomo veio antes, de pessoas que queriam apenas entender como a matéria funciona”, explica Aguilaniu.

    Ele lembra que o mesmo vale para a corrida espacial. Ir à Lua foi um feito tecnológico, mas todo o conhecimento que permitiu isso já existia antes. “A ciência aplicada aproveitou a base construída por quem estudava sem uma meta prática”, detalha.

    Do DNA ao CRISPR: a herança das descobertas

    Na genética, área em que atua, Hugo cita três marcos fundamentais. A primeira grande mudança foi entender que a herança existia, que certos traços passavam de geração em geração. Depois veio a descoberta do DNA como molécula responsável por isso.

    A partir daí, a capacidade de manipular o material genético abriu novas fronteiras. “Sem PCR, não conseguiríamos ampliar e estudar o DNA. O GFP, que permite colorir proteínas, revolucionou a biologia celular. E o CRISPR, a ‘tesoura genética’, acelerou tudo. São avanços que só foram possíveis porque antes existiu curiosidade científica”, diz.

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    Juliana concorda que a biologia é um campo em que as descobertas básicas tiveram impacto profundo. “A Teoria da Evolução, as Leis de Mendel e a estrutura do DNA mudaram completamente nossa visão da vida. Hoje falamos em biotecnologia e medicina personalizada graças a esse conhecimento construído há mais de um século”, observa a professora.

    Do antibiótico ao sistema imune

    Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências, destaca outras descobertas que moldaram o mundo moderno. “O entendimento do RNA abriu inúmeras possibilidades de aplicação. Outro marco foi descobrir como os antibióticos atuam na parede celular das bactérias. Antes, as pessoas morriam de infecção. Quando se compreendeu esse mecanismo, foi possível desenvolver novas drogas e entender a resistência bacteriana”, explica.

    Ela lembra ainda os avanços ligados ao sistema imunológico, que continuam rendendo prêmios e novas terapias. “O Nobel deste ano mostra como entender o funcionamento das células imunes teve impacto no tratamento de doenças, inclusive as neurodegenerativas. É um exemplo de como o conhecimento básico sustenta descobertas futuras”, afirma.

    Transformações para o futuro e desafios

    Mesmo as pesquisas que soam distantes da vida prática podem gerar impactos surpreendentes. Um exemplo vem dos estudos sobre supercondutores em temperatura ambiente, que buscam eliminar a resistência elétrica sem depender de pressões ou resfriamentos extremos. Se esse avanço se concretizar, poderá representar uma revolução energética, reduzindo perdas e ampliando a eficiência na distribuição de eletricidade.

    Para Hugo, as transformações mais radicais provavelmente virão de temas que, à primeira vista, parecem irrelevantes. “Muitas pesquisas que hoje parecem curiosidades de laboratório vão gerar mudanças que nem imaginamos. É assim que a ciência avança”, afirma.

    Apesar da importância, a ciência básica ainda recebe menos atenção do que deveria. “Há uma tendência de priorizar projetos com resultados rápidos e aplicáveis. Sem investimento contínuo, deixamos de fazer descobertas realmente transformadoras”, alerta Juliana.

    Helena concorda e aponta que há um problema cultural na forma como o país enxerga a pesquisa. No Brasil, observa ela, tudo precisa ter valor de mercado e utilidade imediata. A busca pelo conhecimento puro acaba sendo desvalorizada, embora seja justamente a curiosidade o que impulsiona as grandes descobertas.

    “Os países que entenderam isso hoje colhem os frutos. A própria inteligência artificial nasceu de pesquisas que, no início, buscavam apenas entender como funciona uma máquina”, diz.

    O poder da colaboração

    As grandes descobertas também dependem de cooperação. “A ciência atual é complexa e multidisciplinar. Nenhum pesquisador domina sozinho todas as ferramentas. Colaborações entre áreas e países unem tecnologias e perspectivas diversas, permitindo que ideias novas surjam mais rápidas”, diz Juliana.

    Para ela, a cooperação internacional é essencial para enfrentar desafios globais. “Problemas como pandemias e mudanças climáticas exigem esforços conjuntos. A ciência é um empreendimento coletivo – e é assim que ela continua transformando o mundo”.

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