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    Consignados do INSS: bancos crescem até 20 vezes em um trimestre

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    Bancos habilitados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) chegaram a multiplicar suas carteiras de empréstimos consignados para aposentados em até 20 vezes no período de um trimestre, revelam dados obtidos com exclusividade pelo Metrópoles, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

    Juntas, 87 instituições financeiras que mantêm ou mantiveram Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o INSS faturaram R$ 466 bilhões com consignados descontados das aposentadorias nos últimos cinco anos. Como mostrou o Metrópoles nesta quinta-feira (27/11), essa arrecadação dobrou desde 2020, em meio a denúncias e condenações por fraudes e vendas enganosas.

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    No início do período, os bancos faturavam R$ 4 bilhões mensais com consignados. Com um pico de crescimento durante a pandemia, atingiram até R$ 9 bilhões por mês, o que representa um salto de 125%. A carteira de empréstimos também avançou no período, passando de 23 milhões para 35 milhões de contratos ativos, alta 52%.

    A partir de 2020, houve uma explosão de bancos credenciados pelo INSS, partindo de 52 para 87 bancos credenciados pelo INSS. Na evolução dos créditos nesse período, a reportagem identificou instituições que multiplicaram suas carteiras de consignados em poucos meses. É o caso do Agibank, que tinha 20 mil empréstimos ativos em junho de 2021 e chegou a 409 mil em outubro do mesmo ano.

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    Hoje, o banco tem uma carteira de 1,57 milhão de consignados e já recebeu R$ 14,8 bilhões do INSS com os descontos nos contracheques dos aposentados. Fundado no fim dos anos 1990 como uma correspondente bancário, o Agibank passou a existir quando seu dono, Marciano Testa, comprou o Banco Gerador, de Recife, em 2016. Apesar de quebrado, ela ainda tinha autorização do Banco Central (BC).

    Outro exemplo de forte crescimento foi o C6 Bank, que entrou no setor em 2020 e, um ano depois, chegou a 1 milhão. Entre outubro e novembro de 2022, teve um salto de 302 mil novos consignados. Em abril deste ano, atingiu 3,3 milhões de empréstimos, atrás apenas dos bancos Bradesco, BMG e Pan, que estão há mais tempo nesse mercado. Até agora, já faturou R$ 20 bilhões com consignados do INSS.

    As irregularidades mais comuns

    • Entre sentenças de juízes, investigações feitas pelo próprio INSS e canais de reclamação de consumidor, há três principais motivos para reclamações contra empréstimos consignados consideradas procedentes nas esferas administrativa e judicial.
    • A primeira diz respeito a descontos indevidos. São casos em que aposentados alegam ter descoberto que havia empréstimos, não raro, de mais de uma instituição financeira em seus nomes. Nesses casos, perícias têm constatado até mesmo o uso de assinaturas falsas de agentes e correspondentes bancários para firmar os empréstimos.
    • Uma das queixas mais comuns de descontos indevidos e que tem levado bancos a condenações judiciais e multas de órgãos de consumidor diz respeito ao “empréstimo sobre a RMC”, sigla que significa Reserva de Margem Consignável e consiste na destinação de até 5% do valor total da aposentadoria para pagamento automático da fatura de um cartão de crédito consignado.
    • O segundo tema das reclamações diz respeito à abordagem feita por telefone. Aposentados têm conseguido anular na Justiça contratos de empréstimos consignados em que os termos, como valores e juros, são descritos de maneira distorcida por intermediários dos bancos. Há muitos casos em que seguros têm sido inseridos de maneira indevida em meio aos empréstimos.
    • Outra reclamação recorrente tem relação com a portabilidade de aposentadorias. Usualmente, são casos em que aposentados afirmam ter tido seus benefícios indevidamente transferidos a outros bancos. Há casos em que bancos têm ligado para oferecer taxas menores de consignados que já foram contratados em outras instituições. Quando o negócio é concluído, o aposentado afirma ter descoberto que a instituição não só fez a portabilidade como inseriu um novo empréstimo consignado em seu nome.

    O que diz o INSS

    Por meio de nota, o INSS afirmou já ter rescindido 19 acordos com bancos “devido a descumprimento de normas por parte das instituições financeiras”, que outros quatro ACTs estão suspensos, três expiraram e não foram renovados, e que quatro instituições solicitaram a rescisão dos acordos de maneira voluntária.

    O órgão informou que a atual gestão, comandada pelo procurador federal Gilberto Waller Júnior, “implementou uma série de medidas de controle para a concessão do crédito consignado, priorizando a proteção dos segurados e a transparência nas parcerias com instituições financeiras”.

    Ainda segundo o INSS, também “foram firmados diversos termos de compromisso com instituições financeiras, entre eles um acordo que estabeleceu a restituição de mais de R$ 7 milhões cobrados indevidamente de cerca de 100 mil beneficiários”.

    “A formalização ou manutenção de convênios passou a ser rigorosamente condicionada ao fiel cumprimento das regras, especialmente quanto à transparência e proteção dos usuários da Previdência Social. Não há tolerância para omissões ou manutenção de acordos diante de suspeitas de irregularidade, refletindo o empenho da atual gestão em reverter práticas inadequadas e assegurar um ambiente de respeito aos direitos do segurado”, afirmou o INSS.

    O que diz o C6

    O C6 Bank afirmou que “fez uma série de ajustes e adotou medidas firmes para aperfeiçoar o atendimento ao cliente e tornar o sistema de contratação mais seguro”. “O banco ampliou a rede de atendimento, digitalizou o processo de contratação e, em abril de 2021, passou a adotar a biometria facial com prova de vida para todos os contratos. Desde essa época, para contratar o consignado, o cliente, além de fornecer sua biometria facial e geolocalização, deve confirmar o seu consentimento em diversas etapas da operação”.

    “O banco também impõe um rígido e contínuo controle de qualidade aos seus parceiros comerciais e cumpre todas as diretrizes da Autorregulação do Consignado – iniciativa da Febraban e da ABBC para coibir o assédio comercial e as fraudes praticadas na oferta de crédito consignado público e privado no país –, da qual o C6 Consig é signatário”, afirmou.

    Segundo o C6, “todas essas medidas fizeram o número de reclamações relacionadas ao C6 Consig cair drasticamente a partir de 2021”. “De acordo com o consumidor.gov, plataforma gerida pela Senacon, o número de queixas ao C6 Consig caiu 80% entre 2021 e o segundo trimestre de 2025, período em que a carteira de crédito consignado do banco cresceu cerca de 290%. Desde o primeiro trimestre de 2023, o banco não aparece entre as dez instituições mais reclamadas”.

    “Sobre os processos judiciais em curso, vale destacar que uma parcela significativa do nosso estoque de ações refere-se ao primeiro ano de operação, até a adoção da biometria facial como etapa obrigatória para formalização do contrato”, diz.

    O que diz o Agibank

    O Agibank afirma que, em 2021, “lançou a funcionalidade de portabilidade em seu portfólio, o que explica o amplo crescimento nacional da sua base de clientes”. “O banco esclarece, ainda, que possui rígidos controles de seus processos e todas as operações realizadas junto à instituição passam por protocolos rigorosos de segurança, os quais seguem em constante evolução, em conformidade com as normas do Banco Central e do INSS, como a análise documental, biometria facial e cruzamento de dados com bases oficiais”.

    “Em situações em que há suspeita de fraude, o Agibank atua de forma colaborativa com autoridades competentes e aciona imediatamente mecanismos de recuperação de valores, sempre que possível, atuando de forma proativa para mitigar riscos. Em casos de portabilidade de contas, o Agibank afirma que qualquer alteração no banco recebedor do benefício depende de solicitação expressa do titular, devidamente validada pelo INSS, e que não realiza qualquer alteração sem manifestação ativa do cliente”, afirma.

    O banco ainda reforçou “que está em constante aprimoramento dos seus processos e que, proporcionalmente, possui índices baixos de reclamação em relação à base de clientes”.